Susanne Schütz
A caminho ao Reinado de Deus
O Engajamento de Raphael Geis no Diálogo cristão-judaico
Como quase nenhum outro, Robert Raphael Geis, expulso pelos nazistas, procurou, depois da
Segunda Guerra Mundial, novamente o colóquio entre judeus e não-judeus na Alemanha.
Nomeadamente, o seu empenho pelo diálogo cristão-judaico na sombra da Shoáh entre as
duas religiões eram e são de importância marcante para o colóquio entre as duas
religiões.
O rabino Robert Raphael Geis (1906-1972), expulso da Alemanha pelos nazistas, voltou no
início dos anos 50 à República Federal da Alemanha. Até ao fim da sua vida, conduzia –
com intensidade talvez única – o colóquio com alemães não-judaicos. À geração jovem
fazia conhecer melhor, em encontros não contados, a história e o auto-entendimento
religioso do Judaísmo, expondo aos seus olhos a sua responsabilidade para o futuro. Também
escutava os mais idosos, os que pertenciam à geração da guerra, quando, pressionados pela
carga da consciência, procuravam o colóquio com o rabino. Antes de tudo, engajou-se, de
1961 em diante, com grande desempenho pessoal, pelo recomeço do diálogo cristão-judaico
na República Federal. Como membro da "Arbeitsgemeinschaft Juden und Christen beim
Deutschen Evangelischen Kirchentag" (do ‘Grêmio Judeus e Cristãos no Dia Eclesial
Evangélico Alemão’), estimulou nos seus companheiros de luta cristãos, como
Hans-Joachim Kraus, Helmut Gollwitzer ou Friedrich-Wilhelm Marquardt, processos de aprender,
estes que cunhavam o entendimento daqueles duradouramente.
Geis nasceu em 4 de julho de 1906 em Francoforte sobre o Meno. Junto com a sua irmã
Ilse, três anos mais nova, cresce num lar judaico, muito abastecido e completamente
assimilado. A origem judaica só chega a ser cônscia ao jovem Geis, quando, durante duma
estada de férias nos seus avós em Kassel, podia acompanhar o seu avô – um judeu devoto
– à sinagoga. O cerimonial sinagogal, os cantos e a serenidade solene do serviço
religioso impressionavam a criança para sempre. A propensão ao Judaísmo e a sua crítica
da sociedade burguesa levaram continuamente a veementes conflitos com o pai, pesando sobre o
relacionamento dos dois durante toda uma vida.
A opção profissional de Geis estabelece-se cedo. Quer chegar a ser rabino no movimento
judaico da Reforma. No ano de 1925, começa os seus estudos na "Hochschule für die
Wissenschaft des Judentums" (‘Academia para a Ciência do Judaísmo’) em Berlim.
Acolhe conscientemente, porém, não só a sua herança judaica, mas sim a alemã também.
Paralelamente à sua formação teológica, estuda também, na Universidade de Berlim, a
História Moderna. Em 1926, cursa um ano de estudos na Universidade e no Seminário Judaico
em Breslau (Wroclaw). Entre os seus professores contam Leo Baeck, Ismar Elbogen, Julius
Guttmann e Harry Torczyner. Também ao círculo ao redor de Martin Buber e Franz Rosenzweig,
Geis mantém estreita ligação. Em 27 de janeiro de 1930, doutorou-se como Dr. phil. na
Universidade de Köln (Colônia). O assunto da sua dissertação é "Der Sturz des
Reichskanzlers Caprivi" (‘A Caída do Chanceler do Reino Caprivi’). No dia 6 de
março de 1932, presta a prova científica de rabinato em Berlim, recebendo oficialmente a
"habilitação como rabino, pregador e professor de religião" para atuar.
Já no mês seguinte, Geis entra em função na sua primeira colocação como rabino de
juventude em Munique. Logo consegue ganhar a simpatia da juventude judaica. Harry Maor, um
dos seus alunos, lembra-se dele como dum professor carismático, cujas aulas, nas quais
foram discutidos assuntos como sionismo, ateísmo e socialismo, teriam sido
"religião"2 para os jovens. Como sionista convencido e simpatizante do
socialismo, porém, Geis entra logo em conflito com a presidência municipal politicamente
conservativa. A sua atitude sem compromisso em questões religiosas agrava ainda o
relacionamento. No olhar retrospectivo, Maor observa que "o radicalismo" de
Geis "em muitas áreas, uma falta de reverência referente a tradições mortas ...
fizeram dele, ... naquele tempo em Munique, o alvo de agressões"3. Em
maio de 1934, despede-se da sua colocação, mudando-se para rabino da cidade de Mannheim.
Mas também aqui entra em briga com a presidência municipal, porque não está disposto a
entrar, para manter a sua colocação, em compromissos religiosos ou de conteúdo. Pelo fim
do mês de maio de 1937, encerra a sua atividade em Mannheim.
Em vista dos desenvolvimentos políticos na Alemanha, Geis, a partir do ano de 1933,
sonda as possibilidades da emigração à Palestina. Mas os planos de emigração não se
deixam realizar. Assim, solicita novamente colocações de rabino na Alemanha, aceitando
finalmente uma vocação como rabino do país e município de Kurhessen e Kassel. Em Kassel,
Geis aclima-se muito bem, tido em grande estima pela sua comunidade. A sua atividade aí,
porém, termina bruscamente em 9 de novembro de 1938. Junto com os membros masculinos da
comunidade é preso e deportado ao campo de concentração de Buchenwald. Só depois do
recebimento da asseveração dum visto para a Palestina, é demitido do campo de
concentração em 7 de dezembro. Em 5 de fevereiro, Geis deixa a Alemanha com o destino à
Palestina. Vai primeiro a Paris, onde visita a sua irmã Ilse Feldmeier. Era um último
encontro. A irmã, o seu marido e a criança dos dois são assassinados em Auschwitz no ano
de 1942.
Em 20 de fevereiro de 1939, Geis chega na Palestina, quase sem meios e sem uma
perspectiva profissional. A língua do país, o ivrit (o hebraico moderno), quase não
domina. Mora, cada vez por algumas semanas ou meses, com vários amigos. A sua profissão de
rabino não pode exercer. Benjamin Maoz, com cuja família Geis vivia por muitos meses, traz
o problema ao ponto: "Tinha uma profissão: rabino liberal, e isso então não era e
não é hoje profissão nenhuma em Israel. Ali, só um rabino ortodoxo pode trabalhar."4
O plano de Geis, de poder continuar a carreira acadêmica, não pode ser realizada. Em vão
tenta obter uma colocação na Universidade Hebraica. Nos anos seguintes, trabalha como
cientista particular, só em 1942 consegue, como colaborador científico livre, ganhar um
pouco de dinheiro na Universidade Hebraica. Mas não só as difíceis condições de viver
lhe deram a fazer alguma coisa. Também o seu ideal sionista é abalado pela dura realidade
da Palestina: No nacionalismo – também no judaico – diagnostica uma "doença
contemporânea em escala inimaginável"5. Do mês de fevereiro de 1944
em diante, Geis trabalha como redator e locutor de notícias no "Psychological Warfare
Branch" em Jerusalém, numa emissora de rádio que emitia, até ao fim da guerra,
notícias em língua alemã à região do Mediterrâneo. Em Jerusalém conheceu, também, a
Susanne Landshut, que tinha emigrado da Alemanha com a sua família, e com quem se casa em
fevereiro de 1945.
Quando, depois do fim da guerra, as notícias sobre a extensão inimaginável dos crimes
nos campos de concentração e a situação difícil dos sobreviventes nos DP Camps
(Displaced Persons Camps = Campos de Pessoas Deslocadas) chegaram à Palestina, Geis toma a
decisão de voltar tão rápido como possível à Alemanha, para assistir os sobreviventes
nos campos.6
Embora veja uma tarefe real na Alemanha diante de si, sente o deixar o país, até o fim
da sua vida, um como fracasso pessoal.
Dirige-se à "World Union for Progressive Judaism" (‘União Mundial para
Judaísmo Progressivo’) em Londres, a qual deixa o casal Geis primeiro chegar à Alemanha.
Em junho de 1946, chegam a Londres. Mas o plano de poder viajar à Alemanha por comissão da
World Union fracassa, porque o casal não quer corresponder ao desejo da World Union de
trabalhar separados um do outro em diferentes cidades da Alemanha. As seguintes estações
do casal Geis são a Suíça e a Holanda. Mas nem em Zurique, onde Geis consegue uma
colocação como professor e recitador, nem como rabino da comunidade liberal de emigrantes
em Amsterdã, consegue instalar-se por muito tempo. Na primavera de 1952 finalmente, a volta
à Alemanha é possível: Geis é chamado para Rabino do país de Bade, com sede em
Karlsruhe.
Esforço para ser encarregado da regência de um curso numa universidade alemã
Paralelamente a sua atividade como rabino, Geis aspira à regência dum curso numa
universidade alemã. Já em janeiro de 1950, enviara, de Amsterdã, uma carta a Theodor
Heuß. Nessa carta, tenta a convencer o Presidente da Federação da necessidade de
instituir cadeiras para história de espírito judaica em universidades alemãs. A
educação da juventude acadêmica para entendimento melhor e sem preconceitos do Judaísmo,
considera como condição prévia essencial para adequadamente pôr em dia a recapitulação
do passado nacionalsocialista e para a configuração dum um-com-o-outro alemão-judaico.
Motivou a sua exigência apontando para que uma "confrontação do homem alemão com
o judaico"7, por falta de parceiros de colóquio judaicos, seria
impossível em tempo determinável. Num artigo, publicado cerca de oito semanas mais tarde
na "Allgemeine Jüdische Wochenzeitung" (‘Semanal Geral Judaico’) sob o
título "Geistige Wiedergutmachung" (‘Reparação Espiritual’), em que Geis
discute criticamente o discurso de Heuß de 7-12-1949 sobre a "Kollektivscham" (‘vergonha
coletiva’), volta outra vez a sua exigência. A nomeação de cientistas judaicos a
respetivas cadeiras, qualifica como "oportunidade para a reparação por iniciativa
própria"8. Para a sua grande decepção, os seus esforços para ser
encarregado com a gerência de um curso continuam sem sucesso por muito tempo. Uma atividade
de ensino não pode exercer senão no quadro do studium generale em Friburgo, onde leciona
sobre história judaica de religião. Em Heidelberg, encontra-se regularmente com um pequeno
grupo judaico de estudos, composto de americanos e israelenses. Um grupo de jovens
acadêmicos católicos convida-o para palestras em Bonn. Geis, com ânimo para a atividade
de ensinar, desloca as suas ambições forçosamente ao âmbito fora da universidade. No
decorrer dos anos de sessenta, desenvolve uma atividade intensiva de palestras no âmbito do
encontro cristão-judaico. Essa atividade, porém, não lhe proporciona a sua realização
profissional. Na sua carta a Dietrich Goldschmidt, em 1963, escreve:
"Não se pode a vida inteira correr de palestra a palestra. Não é só
fatigante, também chega a ser sem sentido, já que a cada tarefa pedagógica pertence a
continuidade. A gente precisa poder rever se esteja acertando, se esteja naquilo que vive."9
Como rabino do país de Bade
A situação da comunidade de Karlsruhe, no ano de 1952, é típica para as comunidades
judaicas nos primeiros decênios depois da Shoáh. Em números, dominam judeus de
proveniência da Europa oriental, ex-DPs, a vida comunitária. Para essas pessoas –
originando-se principalmente da Polônia – não havia retorno à terra natal, porque o
anti-semitismo nesses países era ameaçador como dantes. Ficaram na República Federal,
porque eram ou idosos demais ou doentes demais para poderem construir-se uma nova
existência em Israel ou nos EUA. Em frente do seu ambiente alemão estavam alheios e
recusando. Aos poucos judeus alemães opuseram-se alheios e com desprezo. Enquanto esse
grupo determinava a vida religiosa causando uma mudança da praxe religiosa para um rito
cunhado de ocidentaleuropeu-ortodoxo, os poucos judeus alemães forneceram os detentores das
funções. Susanne Geis se lembra de que os cerca de 130 membros da comunidade de Karlsruhe,
além de três judeus alemães (o primeiro presidente, o segundo presidente e o secretário
da comunidade), consistia exclusivamente de DPs europeus orientais. Junto com os seus
colegas Siegbert Neufeld e Zwi Harrry Levy, Geis fundou, em 1952, a conferência dos rabinos
dos países (alemães). Com isso é feito um primeiro passo em direção a uma
reorganização da vida religiosa dos judeus na Alemanha.10
O trabalho de Geis no nível de comunidade, no entanto, ficavam sem êxito. Pelos judeus
da Europa Oriental, Geis – que representa o Judaísmo alemão em pessoa – é recusado.
Na retrospectiva, Susanne Geis observa que a esperança de poder efetivar alguma coisa era
"um ideal que não se deixava realizar porque o meu marido, naturalmente, também
não percebera de modo algum – antes – como estava na Alemanha agora. Veio, então,
primeiro com grande entusiasmo e a imaginação de que se pudesse empenhar grandemente. Mas
é que, como antigo alemão, foi então também recusado pelos judeus da Europa oriental.
Isso era também um problema."
Um círculo de amigos judaico, a família Geis não o tinha. O rabino e intelectual, que
se ocupa de questões religiosas e éticas, não encontra um vis-à-vis correspondente
dentro da comunidade. Para os membros da comunidade, a segurança da existência está em
primeiro plano, não a ocupação com questões religiosas. À solicitação de Theodor
Heuß de que Geis funcione como representante oficial do Judaísmo na República Federal,
reage recusando. A sua resposta ao Presidente da Federação: "Aqui não há mais
nada a representar"11, deixa adivinhar todo a solidão, mostrando ao
mesmo tempo a sua indisposição de deixar-se empregar para fins representativos no nível
de funcionário. não quer representar o que não há mais para ser representado. No
decorrer do tempo, o cargo de rabino lhe chega a ser uma carga insuportável. Pelo fim do
mês de junho de 1956, demite-se finalmente do seu ofício de rabino, não tentando obter
uma nova colocação de rabino. O seu engajamento para a comunidade judaica realiza-se
somente no nível privado, funcionando esporadicamente como rezador e pregador nas grandes
festas. A sua esperança de poder partir da tradição alemã-judaica, como a havia antes da
Shoáh, contribuindo assim para uma construção de vida judaica na República Federal,
revelou-se como ilusão.
O auto-entendimento de Geis como judeu alemão
Os conflitos com a comunidade de Karlsruhe levantam a questão do seu auto-entendimento
em consideração da sua pessoalmente sofrida perseguição, a perda de familiares e o
assassínio milionário de judeus. É para insistir que a síntese interiorizada de Geis de
germanismo e judaísmo o deixa perseverar na sua identidade alemã-judaica também depois
dos crimes nacionalsocialistas. Na sua reflexão à festa Purim de 1965, escreve: "É
que ainda existe uma turbinha de judeus alemães, cujo amor por esse enigmático país,
mesmo depois desses indizivelmente horríveis anos de Hitler, não morreu."12
No seu, pela primeira vez em 1957 publicado, ensaio "Von Deutschlands Juden" (‘Dos
Judeus da Alemanha’) Geis leva o seu auto-entendimento com um citado de Franz Rosenzweig a
ponto este: "Se me quisessem forçar a separar o meu germanismo do meu Judaísmo,
não iria sobreviver essa operação."13
A sua vida jogada de carreira pelo domínio nacionalsocialista, os seus esforços de
fincar pé no ensino acadêmico e, finalmente, a sua retirada do ofício de rabino, podem
ser vistos como razões externas para o deslocamento do seu campo de ação em direção ao
diálogo judaico-cristão. Em círculos cristãos, especialmente entre os membros da
Bekennende Kirche (Igreja Profissante) encontra pessoas que, estimuladas pelo horror da
Shoáh, estão dispostas a questionarem criticamente a própria tradição de fé e, além
disso, querem avançar a um entendimento melhor do Judaísmo.
A interpretação teológica da Shoáh
No ano de 1950, Geis faz uma palestra de comemoração pelas vítimas judaicas do
Nacionalsocialismo em Kassel. No começo dessa alocução, oferece uma olhada nos seus
sentimentos pessoais. Fala da dor imensa, pela qual não ha palavra, mas sim "só o
grito, o grito estridente ...seria a expressão"14. O horror enorme,
Geis o tenta en encontrar com uma interpretação teológica, a qual pretende meter o
acontecido num conexo que faça sentido. Notável, porém, é que não empreende tentar a
discutir a questão do "Porquê?" numa publicação exclusivamente dedicada a esse
assunto; não desenvolve "Teologia do Holocausto" alguma, mas só interpreta o
assassínio nacionalsocialista dos judeus no quadro do entendimento histórico judaico
tradicional, no qual interpreta história como história de salvação. O motivo central
dessa interpretação é a interpretação do sofrimento "por causa de Deus"
(qidúsh hashêm). A sua interpretação não pode ser entendida senão uma como tentativa
tímida de aproximação a um enquadramento teológico-teórico da Shoáh, interpretação
essa, porém, não pode satisfazer humanamente. Nasce do desejo de arrancar um sentido do
incompreensível, de integrá-lo num contexto geral de sentido e de história da salvação.
Susanne Geis explica que Geis estava durante toda a sua vida diante da inexplicabilidade do
horror, este que escapa da compreensão humana.
Aos sobreviventes da Shoáh, Geis aplica as designações bíblicas de "resto de
Israel" (sheêrit yisròêl) e "santa semente" (zéra` haqodêsh).15
O que significam esses conceitos deste o tempo bíblico, descreve no seu ensaio
"Gottesbund und auserwähltes Volk" (‘Aliança de Deus e povo eleito’). No
"resto", trata-se duma parte do povo que sobrevive o juízo punitivo de Deus, para
– purificada de pecados – continuar a aliança. Escreve:
"’E coisa evidente é que muitos são rejeitados, poucos guardados. Isso não
é uma teoria teológica, mas sim uma experiência em toda a largura da existência, com que
se conta ... Não é por acaso, se a história judaica de salvação se manifesta na
subtração, e não na adição, quando a eleição procura uma minoria, da qual, se for
preciso, sempre de novo surge uma minoria, quando a eleição quer o fraco e não o
poderoso, e quando a promissão do começo dos muitos, que são comparados com as estrelas
do céu e a areia do mar, não se deixa valer senão como promissão do fim."16
A perduração desse resto iria "fazer que esse ‘resto’ é, não uma turbinha
mesquinha de sobreviventes, mas sim a elite, os eleitos entre os escolhidos, aqueles dos
quais pode ser dito: permanecem sempre, para cada vez renovar a aliança de Deus com o seu
povo"17. Como nos tempos bíblicos, também no presente não importaria
o que Israel quer, mas somente o que Deus pretenderia com ele:
"Precisamente na escuridão de Deus, para a qual o ruidoso proclamador da
barbaridade permanecerá o sinal, ressurgiu como realidade nova-velha aquilo que não fora
mais que um falar longínquo. Deus fez os que viviam na sombra da morte, como de sempre, os
Seus eleitos – e toda a apostasia não contava mais."18
A referência ao conceito bíblico da sheêrít yisròêl (do resto de Israel)
deixa adivinhar quais expectativas e esperanças Geis liga aos sobreviventes da Shoáh.
Espera que, impulsionada pela Shoáh, começa uma reflexão à outrora concluída aliança
no Sinai, uma renovação religiosa. Israel – assim escreve – "olha ... ainda
hoje – ou, podemos dizer, hoje outra vez por sobre o mundo e a história àquele ponto
último, o mais distante, quando Deus, o Pai de Israel, será o Um e o Único. Até essa
hora, é lhe dado antecipar o dia esperado em profissão e ação."19
Essa discrepância entre a perspectiva teológica e a realidade da comunidade judaica na
Alemanha explica, mais uma vez, a sua resignação como rabino. Pois para o ressurgimento ao
que aspira, não se descobre indícios alguns. Geis lembra da imagem do clamador no deserto,
do profeta que não está sendo ouvido pelos seus contemporâneos. Aqui aparece outro aspeto
do seu pensar teológico: Geis recebe a Toráh pela perspectiva dos profetas.20 A
tarefa dos profetas sempre teria sido lembrar o povo renegado, através de invectiva e
anúncio de juízo, do seu destino, exortando-o à penitência e conversão. Com a sua
crítica social, os profetas estavam sempre no lado dos pobres e impotentes, e em oposição
aos dominantes. Geis enfatiza que, no tempo pós-bíblico, o papel dos profetas foi assumido
pelos rabinos: "Profeta ou rábi, julgam duramente o povo eleito, sempre que algo
demasiadamente humano puser em perigo o encargo da missão."21
Motivação para o seu engajamento no encontro cristão-judaico
Já antes da sua volta à Republica Federal, Geis considera uma como parte da tarefa
diante de si, dirigir-se também a alemães não-judaicos. Numa carta a Karl Barth de
novembro de 1945, escreve: "Grandes partes do povo alemão são, provavelmente, mais
profundamente abaladas que as nações vencedoras. O meu trabalho judaico deveria,
necessariamente, chegar a ser ao mesmo tempo um trabalho pelo povo alemão."22
Correspondente a essa pretensão, a sua atividade, já a partir de 1952, vai além o
âmbito judaico. A partir d 1961 está, como membro do círculo de gerência da
"Arbeitsgemeinschaft Juden und Christen beim Deutschen Evangelischen Kirchentag"
(do ‘Grêmio Judeus e Cristãos no Dia Eclesial Evangélico Alemão’) institutionalmente
ligado nesse trabalho. Seus múltiplos contatos com cristãos alemães deixam reconhecer
três motivos do seu engajamento intensivo: Geis se vê desafiado como pastor das almas,
como pedagogo e como teólogo.
O assunto de pastor das almas
O seu assunto de pastor das almas mostra-se no exemplo do seu relacionamento a Albert
Speer, o ex-ministro de armamentos de Hitler. Speer, um dos acusados nos Processos de
Nuremberga, foi condenado a 20 anos de prisão maior celular. Ao contrário à maioria dos
co-acusados, Speer confessou, durante o processo, a sua co-culpa, estando disposto a assumir
a co-responsabilidade política pelos crimes nacionalsocialistas. Geis lera, no ano de 1963,
o Diário Nuremberguense do americano G. M. Gilbert que participava em Nuremberga como
psicólogo judicial, e que estaca Speer positivamente do grupo dos criminosos. Em novembro e
1969, Geis, estimulado pela entrevista na televisão do Speer demitido da prisão,
estabelece com este um contato por carta. Desenvolve-se uma animada troca de cartas, da
qual, finalmente, nasce um relacionamento quase amigável. Na sua primeira carta, Geis
escreve: "quero, pelo menos, dizer-lhe que o também ainda respeito onde não o
compreendo. Além disso, assim penso como judeu fiel, deveria ter um perdão, e estou
profundamente convencido que o senhor está sob esse perdão, pois hoje é um homem muito
sincero (ein sehr aufrechter Mensch)."23
Só dois dias depois, Speer responde:
"A sua carta é um caso muito especial para mim: Tange o centro de todas as
minhas dúvidas e depressões num modo que faz bem e, com o tempo, talvez até redentor."24
A atitude de Geis referente a Speer mostra que não se deixa levar nem a condenações em
bloco, nem à perdão leviana. Tem ante os seus olhos cada um por si, abrindo-se onde
perceber uma séria disposição para penitência e arrependimento. A citação seguinte
duma carta a Speer mostra além disso que a sua vista referente à culpa e responsabilidade
não está fixada exclusivamente ao sofrimento do povo judaico:
"Sem o silêncio covarde das forças mundiais, Hitler nunca teria podido
funcionar como aquela Morte horrível. E nos anos depois? Vietnã, Grécia, Espanha,
América do Sul, África do Sul, os negros da América? O morrer horrível, o torturar, o
morrer de fome não estão no fim. Quem aí não quer desesperar, quem está lutando em
muitas frentes, precisa continuamente lutar pelo ‘sim’ a cada pessoa individual. O
senhor posso ver como camarada, porque está sincero. Ao senhor Globke ... não estenderia a
mão."25
A tarefa pedagógica
O segundo motivo do seu engajamento é a tarefa pedagógica perante a qual se vê posto.
Sensibiliza-se especialmente com a juventude. Por meio da atividade intensiva de
conferências e publicações, como no seu livro "Vom unbekannten Judentum" (‘Do
Judaísmo desconhecido’)26, tenta proporcionar uma imagem do Judaísmo que
corresponda ao auto-entendimento judaico. Como mais um exemplo dessa preocupação
pedagógica, seja mencionado a sessão de estudos da comunidade evangélica de estudantes em
Darmstadt no mês de novembro de 1958. Nessa reunião, que estava sob a divisa de
"anti-semitismo – Judaísmo – Estado de Israel", Geis participou com uma
palestra sobre "Das religiöse und geistige Selbstverständnis des heutigen
Judentums" (‘O auto-entendimento religioso e espiritual do Judaísmo hodierno’). O
motivo para essa reunião, iniciada pelo pároco de estudantes, Herbert Mochalski, deram o
crescente número de incidentes anti-semíticos e o desejo dos estudantes de saber algo
sobre o Judaísmo completamente desconhecido para eles. Mochalski e os relatores o
consideraram como a sua tarefa informar tão abrangente como possível, "dizer à
juventude o que era e o que é verdadeiro."27 Aos relatores pertenciam,
além de Geis, também Eugen Kogon, que falou sobre as "perseguições dos judeus no
‘Terceiro Reich’, Adolf Freudenberg, que referiu sobre as "raízes históricas do
anti-semitismo", Erika Küppers, que, na sua palestra "Juden und Christen gehören
zusammen" (‘judeus e cristãos pertencem uns aos outros’) enfatizou o que têm
teologicamente em comum, e Moshe Tavor, que informou os estudantes sobre "As raízes
espirituais do Sionismo até ao Estado de Israel". Comum aos relatores cristãos é a
ativa oposição ao Nacionalsocialismo. A sua convicção cristã não ficava restrita,
durante a época nacionalsocialista, à esfera religiosa particular. Despertados pela
perseguição dos judeus nacionalsocialista, ocupavam-se, depois de 1945, intensivamente com
o relacionamento entre judeus e cristãos. O que é comum dos membros da Igreja Professante
(der Bekennenden Kirche) – Freudenberg, Küppers e Mochalski e do ‘católico de esquerda’
Kogon – pode ser que é que têm instituições atrás de si, as quais não (ou só muito
condicionalmente) os apoiem. Chega a ser claro quais são os parceiros de colóquio
potenciais de Geis: Cristãos, sejam católicos ou sejam evangélicos, cujas convicções
religiosas expressam-se na ação social-política.
O motivo teo-político: A luta comum pelo ‘Reinado de Deus’
O terceiro – o para ser o mais detalhadamente explicado – motivo de engajamento de
Geis, baseia-se na convicção teológica de poder trabalhar, em comum com os parceiros
cristãos, em direção à realização do ‘Reinado de Deus’. O uso desse conceito por
Geis, atribui-se ao pensar de Martin Buber. No livro "Königtum Gottes" (‘Reinado
de Deus’), publicado em 1932, Buber mostra que a "fé messiânica de Israel ... no
seu conteúdo central, [é] a orientação para o cumprimento do relacionamento entre Deus e
o mundo numa perfeita dominação real de Deus. Que Israel sente essa expectativa, e a
expressão desta conforme à vida, como lhe pertencente mais propriamente e confiada entre
todos os povos, baseia-se na fiel lembrança de que justamente ele tenha outrora proclamado
YHVH para o seu imediato e exclusivo Rei do povo."28
A proclamação dum eterno Reinado de povo por Deus e os seus efeitos são, assim Buber,
"não para abranger com a vista numa área somente ‘religiosa’, engrenam na
existência política da índole nacional."29. Esse ver junto das
esferas política e religiosa, Geis assume no seu pensar teológico. Através da aliança no
Sinai, Deus e Israel estariam "teo-politicamente juntados"30.
Acertado, Hans-Joachim Kraus carateriza a concepção teológica que esteja por trás do uso
por Geis do conceito teo-política. Teo-política no sentido de Geis não seria para igualar
como religião, no sentido restrito de piedade psíquica e serviço de culto religioso:
"Aqui se trata, antes, do total da vida, da existência e caminho do povo no
campo de decisão política. Com outras palavras: Trata-se da realização do Reino de Deus
neste mundo da criação, do trazer uma nova convivência em justiça e paz."31
É preciso perguntar porque Geis procura a comunidade com cristãos para levar adiante
uma renovação religiosa e social orientada para uma realização do Reino de Deus neste
mundo. Onde vê os pontos de ligar? Já chegou a ser claro que Geis, nos judeus que vivem na
Alemanha, não podia estimular interesse em questões teológicas e das implicações
sociais das mesmas. Nathan Peter Levinson confirma que as interpretações teológicas de
Geis "na maior parte, não [foram] tomadas em conhecimento senão por não-judeus"32.
Não obstante, a sua cooperação com cristãos não é para ser entendida uma como mera
solução de emergência. Ele vê a chance para um completamente novo entendimento entre
cristãos e judeus dada justamente pela catástrofe da dominação nacionalsocialista.33
O horror do passado teria levado ao que o papel da Igreja no estado e também o
auto-entendimento eclesial teriam mudado. A Igreja pactuando com o poder mundial teria
"[deixado] que o mais revolucionário da história do mundo – a Bíblia –
chegasse a ser um conservativo-reacionário"34. Com Hitler, teria agora
"claramente aparecido o fim da época que começou com Constantino o
Grande... Passou o poder mundial da Igreja, as benções duma minoria lutante estão-lhe
abertas de repente"35. A perseguição nacionalsocialista teria de novo
levado à consciência duma realidade muito tempo esquecida:
"Hitler, que declarou combate à consciência, ‘aquela invenção judaica’,
deixou resplandecer na escuridão demoníaca que essa consciência judaica é, afinal,
também a consciência cristã, sim que judeus e cristãos – o que foi tanto tempo
esquecido – vivem da mesma raiz. Os cristãos podiam morrer pela sua fé, como os judeus
tiveram de morrer por ela. Isso explica a imensa e comovente diferença nos números dos
sacrifícios de sangue."36
A experiência duma minoria ameaçada por causa da fé, além disso, teria conduzido a
uma relembrança da mensagem dos profetas e de Jesus, deixando crescer um novo entendimento
da missão de Israel e para a herança comum do Antigo Testamento: "Reconheceu-se o
papel de mártires que os judeus tiveram de assumir por todos os amantes da liberdade."37
Depois de dois mil anos de malentendimento, ter-se-ia chegado, nas Igrejas, que "o
cristão está endereçado também, quando se bater no judeu."38 Com o
seu professor Leo Baeck, Geis acha que só "a comunidade de mártires nos judeus e
cristãos ... [daria] uma nova chance às tentativas de se entenderem."39
A tarefa das duas minorias fiéis seria agora assistir uma à outra fraternalmente,
conduzindo unidas a "luta nas muitas fronteiras para o Reinado de Deus na terra"40.
O novo um-com-o-outro poderia fazer "que dos horrores do passado, no futuro, chegue
a ser algo que a seguir realmente supera o passado, porque lhe dá um sentido"41.
Os esforços de Geis para meter a perseguição nacionalsocialista num contexto geral de
sentido, de história da salvação, mostra-se também aqui. O sentido, porém, não dão
simplesmente, o horrível precisa primeiro ser feito frutífero. Essa ‘letra de câmbio
para o futuro’ tanto judeus quanto cristãos teriam de sacar primeiro. Ambos teriam de
assistir uns aos outros, para cumprir a tarefa comum. "Ambos são, no mundo,
minorias fiéis – ou são um nada."42 A partir dessa tensão,
entende-se o engajamento sem descanso no encontro cristão-judaica.
A enérgica ênfase de Geis da comunidade judaica-cristã podemos ratificar a partir do
seu pensar teológico, duvidosa, porém, ela chega a ser face ao comportamento efetivo das
Igrejas durante o tempo do Nacionalsocialismo. É que precisamos consentir com Edna Brocke,
que anota criticamente:
"Embora Geis muito conscientemente fala do ser judeu, deixando inteiramente valer
lado a lado as duas dimensões deste - o óntico de um lado e o religioso de outro –
vislumbra às vezes o seu próprio ponto de vista, ‘unilateralmente’ religioso; isso
tanto mais quando tenta tirar paralelas ou comparações entre realidades cristãs e
judaicas... Não, não por sua fé tiveram seis milhões de judeus morrer, mas sim por serem
judeus. Não por sua fé, mas talvez pela descrença dos seus assassinos."43
Geis, certamente, é bastante realista para saber que dentro da Igreja, atualmente, só
uma pequena minoria está disposta a mudar de pensamento. Os seus parceiros de colóquio
encontra, portanto, principalmente nas fileiras da Igreja Professante [der Bekennenden
Kirche], cujos membros, durante o tempo do Nacionalsocialismo, prestavam resistência,
assumindo por isso perseguição ou até a morte. O livro "Widerstand und
Ergebung" [‘Resistência e submissão’], que traz as anotações de Dietrich
Bornhoffer durante o tempo da sua prisão nos anos de 1943-45, chega a ser para Geis "uma
ponte estreita, sobre a qual conduz o caminho àqueles cristãos na Alemanha que não
seguiam a tirania nacionalsocialista"44. Geis está especialmente
impressionado pelo entendimento dos textos antigotestamentários por Bornhoffer, pois
Bornhoffer põe em primeiro plano aquilo que exige concretamente, a importância do agir
responsavelmente, em vez de contentar-se com a interpretação alegórica dos textos. Na
introdução a "Versuche des Verstehens" (‘tentativas e entender’), Geis
escreve:
"Também a fé cristã não quer, a partir da sua origem, certamente traçar uma
volta de fuga ao redor deste mundo nosso. Dietrich Bornhoffer confessou, face à morte,
aquilo que lhe certamente não era autoevidente desde os seus inícios: ‘Continuo notando,
aliás, como antigotestamentariamente estou pensando e sentindo: Só se deixar valer a lei
de Deus sobre si, pode-se provavelmente também uma vez falar de graça ... Quem rápida e
diretamente demais quiser ser neotestamentário e sentir neotestamentariamente, não é
cristão por meu ver."45
Condições e limites da disposição ao diálogo
Justamente porque Geis se mete muito intensivamente no diálogo cristão-judaico, formula
as condições desse diálogo muito claramente. No seu livro publicado junto com
Hans-Joachim Kraus, "Versuche des Verstehens" (‘Tentativas de Entender’),
antepõe uma passagem duma carta de Franz Rosenzweig ao primo deste, Hans Ehrenberg:
"Justamente quando estás certo que o Judaísmo e o Cristianismo, de aqui em
diante, precisarão um outro modo como até agora (e isso admito), precisas deixar ficarem
os nomes, deves deixar cristão ser cristão e judaico ser judaico. Uma paz de força não
dá pacto entre povos."46
Essas duas frases são, para Geis, princípio de cada encontro. Não tem a opinião de
que cristãos devam converter ao Judaísmo para chegar à salvação, e tampouco considera a
aceitação do Cristianismo para judeus como necessário à salvação. Na razão
teológica, segue Franz Rosenzweig.
"O judeu está desde Abraão, desde que Deus o tirou, com Deus, queira ou não,
apostate ou não; seja rejeitado e outra vez chamado, está com Deus. E está com Deus até
o fim dos dias. Defronte disso, o mundo é conduzido a Deus através do Cristianismo.47
"O perdurar da aliança entre Deus e Israel torna qualquer esforço missionário
cristão supérfluo. A par da recusa da missão por razões teológicas, Geis refuta tais
esforços também no fundo da história mais recente. A missão cristã no século 20, pode
para ele "quase só ainda mostrar os seus lados sombrios"48. A
estrita recusa de quaisquer esforços missionários está de consenso entre os participantes
judaicos do encontro cristão-judaico já desde os primeiros começos deste depois do fim da
guerra.49 No ano de 1946, o rabino Lothar Rothschild, de volta na República
Federal, expressa o sentir judaico: "A concepção cristológica da questão judaica
passa por vezes mesmo ao pé da perseguição da alma judaica, pois o querer obter é que
significa, ao mesmo tempo, o querer apagar uma existência judaica.50
Da problemática que o assunto de missão inclui, Geis está cônscio já desde o começo
do seu engajamento no encontro cristão-judaico. Recusa a missão, sabe, porém, que terá
de discutir essa questão. O distanciar-se dos cristãos da missão aos judeus, Geis não
espera no ano de 1953. Numa carta ao rabino Kurt Wilhelm, explica a sua avaliação e o modo
de argumentar nesta questão:
"Nós dois compreendemos completamente como centralmente cristão é o problema
[da missão aos judeus]. Nós judeus não podemos bem conseguir uma mudança da dogmática
cristã, à qual é que pertencemos uma vez. Pessoalmente, argumento nas minhas muitas
discussões mais ou menos assim: ‘Sei que pertencemos ao vosso plano de salvação. Fazei,
porém, primeiro os goyim (os povos) do mundo cristãos, e então vamos voltar a conversar.
Uma abstinência na missão aos judeus, é que podemos bem exigir, depois do vosso falhar no
tempo de Hitler.’ Nessa linha, um consenso no tempo parece-me possível, uma solução
permanente não haverá antes dos yemê hamashíah [dias do Messias]."51
Neste único ponto distingue-se Geis, como ele mesmo afirma, do seu professor Leo Baeck.
Baeck não tinha objeção alguma contra tentativas de missão recíprocas.
Metodicamente, o diálogo cristão-judaico, segundo a convicção de Geis, pode
realizar-se "nunca num outro nível que no histórico, este que pertence
inevitavelmente à história da salvação"52. Com o nível
inevitavelmente histórico, está entendido o nível do agir político: "A partir da
Bíblia judaica, ficou claro por todas as épocas judaicas que a base da expectativa fiel
jaz na concretização da aliança, no cumprimento no tempo, na adução do Reino de Deus.
Também o político não pode ser excetuado disso."53
As conseqüências às quais a desistência de ação política pode levar, Géis as
delineia no exemplo dos cristãos professantes durante a ditadura nacionalsocialista. Cuja
situação mostraria claramente "quanto a espiritualização da doutrina cristã, a
acentuação unilateral da salvação da alma individual, deixa o espaço da história
livre para forças altamente questionáveis dentro da história da Igreja e, finalmente,
para o poder brutal e sem compromisso.
A partir desse entendimento da Bíblia prático-político, Geis recusa, como base do
diálogo, a interpretação alegórica de textos bíblicos, interpretação essa que perde
de vista a ação concreta do indivíduo,. Além disso, enfatiza que, além disso, não se
pode brigar sobre fé vivida, sofrida e conquistada, "só arrogância confessional
pode não dar por isso, mesmo se debruar-se com uma coragem de professante que não obriga a
nada"54.
Hans-Joachim Kraus que, desde 1961, andou o caminho difícil do entendimento
cristão-judaica junto com Geis, frisa a procura deste por um pesquisar e questionar
sérios. Impressionantemente descreve aquilo que irritava Geis: "o ‘colóquio’
programaticamente levado a alto estilo, ou chegando a ser rotina de acontecimento de cada
ano da ‘Semana da Fraternidade’, a teimosia [Rechthaberei] cristão-judaica chamada de
‘Identitätsfindung’ [‘achar identidade’], a qual se naturaliza sob o manto de
gestos conciliatórios, a penetrante confissão de Cristo cristã, o arrancar de ‘Haus-Juden’
[judeus de casa’], que deveriam dar à casa da Igreja uma decoração
antigotestamentária."55
Kraus descreve a realidade do encontro cristão-judaico, a qual muitas vezes era difícil
de suportar para Geis: "Eram ‘cristãos amáveis’ – abertos, amigáveis,
tolerantes. Mas no momento decisivo, negaram aos judeus o direito de ser judeu, tirando do
saco de escola do seu saber cristão o Messíáh Jesus de Nazaré uma como maça. Tudo isso
em ‘doação afetuosa’."56
A contemplação dos motivos de Robert Raphael Geis para o seu engajamento no diálogo
judaico-cristão mostrou que o seu desejo de diálogo vai muito para além do motivo
pedagógico, respetivamente pastoral. Baseia-se, antes, na esfera teológica, na convicção
de dever, também através de barreiras religiosas, trabalhar na realização do Reinado de
Deus. A oportunidade de, através dum encarregamento de regência dum curso, criar uma
geração de estudantes que assuma conscientemente a sua herança, foi negado a Geis. Só em
outubro de 1969, dois e meio anos antes da sua morte, recebeu, graças aos esforços dos
seus companheiros de luta na "Arbeitsgemeinschaft Christen und Juden beim Deutschen
Evangelischen Kirchentag" [‘Grêmio Cristãos e Judeus no Dia Eclesial Evangélico
Alemão’] uma cadeira de honra para judaística na Academia Pedagógica de Duisburg. No
semestre de inverno de 1971/72, lecionou como professor honorário na Faculdade de Teologia
na Universidade de Göttingen. Neste tempo, porém, já era debilitado por doença. Para uma
atividade de ensino a longo tempo, não lhe restou tempo. Robert Raphael Geis morre em 18 de
maio de 1972.
O seu pensar e memória ficaram vivos e frutificaram nas pessoas que andavam o caminho
pedregoso do entendimento judaico-cristão com ele. Com a relembrança da tradição liberal
do Judaísmo alemão desde os anos de 90, a herança de Robert Raphael Geis volta a ganhar,
mais além, importância também na comunidade judaica dentro da República da Alemanha.
Notas
- As anotações à biografia de R. R. Geis são de: Dietrich Goldschmidt (Hg.). Leiden
an der Unerlöstheit der Welt (Sofrimento na Irredenção o Mundo). Robert Raphael Geis.
1906-1972. Briefe, Reden, Aufsätze. Munique, 1984 e uma entrevista com Susanne Geis e
21.12.1998.
- Harry Maor. Wie ich Robert Raphael Geis kennenlernte. Leiden. P. 35.
- Ibid. S. 37.
- Benjamin Maoz. Roberto Raphael Geis – Ein Mann in seinem Widerspruch. Leiden. S. 97.
- Carta a Karl Barth e 6 e novembro e 1945. Ibid. p. 105.
- Embora veja uma tarefe real na Alemanha diante de si, sente o deixar o país, até o
fim da sua vida, um como fracasso pessoal. Entrevista de Susanne Geis.
- Carta a Theodor Heuss de 24-1-1950. Leiden. P. 115.
- Robert Raphael Geis. Geistige Wiedergutmachung. Ibid. p. 127.
- Carta a Dietrich Goldschmidt e 1963. Ibid. p.15.
- –
- Segundo: Manfred Seidler. Robert Raphael Geis. 4-7-1906 – 18-3-1972. Em: Frankfurter
Allgemeine Zeitung de 6-6-1972.
- Geis. Purim. Leiden. P. 161.
- Ibid.
- Robert Raphael Geis. Gedenkrede für die jüdischen Opfer des Nationalsozialismus in
Kassel, 1950. Ibid. p. 158.
- Cf. Geis. Gottesbund und auserwähltes Volk. Em: Vom unbekannten Judentum.
Freiburg/Basel/Wien, 1961. P. 134. Também: Geis. Der Weg der Juden in Deutschland. Em:
R. Karl Borgmann (Ed.) e outros; Freiburger Rundbrief. VI. Folge, Nr. 21/24. Freiburg
1953/1954. P. 10.
- Geis. Gottesbund. Judentum. P. 126.
- Ibid. p. 128.
- Ibid. p. 134.
- Ibid. p. 135.
- Cf. especialmente o artigo ‘Gottesbund und auserwähltes Volk’ em: Judentum. P.
124-135.
- Robert Raphael Geis / Hans-Joachim Kraus (Ed.). Versuche des Verstehens. Dokumente
jüdisch-christlicher Begegnungen aus den Jahren 1918-1933. Munique, 1966. P. 15.
- Carta a Karl Barth e 6-11-1945. Leiden. P. 106.
- Carta a Speer de 23-11-1969. Ibid. 340.
- Carta de Speer a Geis de 25-11-1962. Ibid. p. 340.
- Carta a Speer de 30-11-1969. Leiden. P. 341.
- –
- Adolf Freudenberg, e outros; Antisemitismus – Judentum – Staat Israel. Francoforte
do Meno, 1963. P. 6. O livro comenta as palestras proferidas na reunião de estudos.
- Martin Buber. Königtum Gottes. Berlim, 1932. P. 11.
- Ibid. p. 12.
- Geis. Bund und Erwählung im Judentum. Gottes Minorität. P. 17.
- Hans-Joachim Kraus. Robert Raphael Geis – Dialog in prophetischer Perspektive. Em:
Heinz Kremers / Julius H. Schoeps (Ed.). Das jüdisch-christliche Religionsgespräch.
Stuttgart, Bonn, 1988. P. 153.
- Carta à autora e 11-11-1999.
- Cf. Geis. Juden und Christen vor der Bergpredigt. Gottes Minorität. P. 237. E: Vom
Königtum Gottes. Leiden. P. 217-219.
- C. Geis. Gedanken zum christlich-jüdischen Gespräch. Leiden. P. 215.
- Geis. Das christlich-jüdische Religionsgespräch. Leiden. P. 194.
- Ibid.
- Geis. Gedenkrede für die jüdischen Opfer des Nationalsozialismus. Gottes Minorität.
P. 161.
- Geis. Der Auftrag Israels an die Völker. Ibid. p. 204.
- Ibid. p. 165.
- Geis. Zur Frage gemeinsamer Gottesdienste. Leiden. P. 222.
- Geis. Das religiöse und geistige Selbstverständnis des heutigen Judentums. Em;
Freudenberg (Ed.). Antisemitismus. P. 101.
- Gottes Minorität. P. 194.
- Edna Brocke. Der falsche Messias ist so alt wie die Hoffnung auf den wahren. Robert
Raphael Geis – ein Porträt. Em: Kirche und Israel. 2/87. P. 188-194. P. 191.
- Hans Joachim Kraus. Robert Raphael Geis – Dialog in prophetischer Perspective. Em
Heinz Kremers / Julius Schoeps (Ed.). Das jüdisch-christliche Religionsgespräch.
Stuttgart, Bonn, 1988. P. 158.
- Robert Raphael Geis / Hans Joachim Kraus. (Ed.). Versuche des Verstehens. Dokumente
jüdisch-christlicher Begegnungen aus den Jahren 1918-1933. Introduzidos por Robert
Raphael Geis e Hans Joachim Kraus. Munique, 1966. P. 36.
- Carta de Franz Rosenzweig a Hans Ehrenberg do ano de 1919. Em: Geis/Kraus. Versuche.
P. 13.
- Citação sem indicação de fonte! Em: Freudenberg. Antisemitismus. P. 97.
- Carta a Manfred Seidler e 8-6-57. Leiden. P.318.
- –
- Lothar Rothschild. Die ‘Judenfrage’ in jüdischer Sicht. P. 330. Em Judaica
2/1946.
- Carta a Kurt Wilhelm e 10-8-1953. Leiden. P. 314. Neste único ponto distingue-se
Geis, como ele mesmo afirma, do seu professor Leo Baeck. Baeck não tinha objeção
alguma contra tentativas de missão recíprocas. Cf. a carta a Manfred Seidler. Ibid. p.
318.
- Geis/Kraus. Versuche. P. 36.
- Ibid. – As conseqüências às quais a desistência de ação política pode levar,
Géis as delineia no exemplo dos cristãos professantes durante a ditadura
nacionalsocialista. Cuja situação mostraria claramente "quanto a
espiritualização da doutrina cristã, a acentuação unilateral da salvação da alma
individual, deixa o espaço da história livre para forças altamente questionáveis
dentro da história da Igreja e, finalmente, para o poder brutal e sem
compromisso". Gottes Minorität. P. 237.
- Geis/Kraus. Versuche. P. 36.
- Kraus. Dialog. Em: Kremers/Schoeps. Religionsgespräch. P. 157.
- Ibid. p. 157s.
Susanne Schütz, cand. mag. der Religionswissenschaft, Hannover. Zeitschrift für Kirche und Judentum, ed. por Evangelisch-Lutherischer Zentralverein
für Begegnung von Christen und Juden, Nr. 1, 2001.
Tradução: Pedro von Werden SJ - Texto alemão |