
| 31.05.2006
Movendo-se em direção à inteireza
Mulheres e religião no mundo global
- Judith Narrowe
- ‘inteireza’ na ‘sociedade’!
- A nossa rede pessoal, as pessoas que conhecemos
- O individual
- Mary Boys
- Mulheres e o Currículo Explícito da Vida Católica
- O Currículo Implícito e a Vida Católica
- O Currículo Zero da Vida Católica
Judith Narrowe
Comecei a escrever esse papel logo depois dos bombardeamentos em Londres em 7 de julho. Escrevi palavras muito selvagens sobre as duas espécies de pessoas no mundo – aquelas que estão incluídas, e isso é a maioria de nós que estamos sentadas aqui e aquelas que estão excluídas. Terroristas, sugeri, são aqueles que são excluídos que sentem, ou são feitos sentirem, que não podem ou não vão participar no mundo em geral, isso é no Ocidente dominante. Pus isso como sendo a causa da sua raiva e da sua participação subseqüente nesses atos vis de assassínio. Nos querem contar – os assim chamados poderosos – que estão com raiva e ferem, e que estão à parte, dispostos a retaliar.
Mas arranquei essas páginas ou as risquei. Estava chegando a lugar nenhum com a minha raiva, não ficando em lugar nenhum perto do nosso tópico. Assim, o que quero hoje é focalizar mito especificamente no nosso tópico, no mais basicamente: no conceito de inteireza que encontro desafiando e problemático e, de algum modo, esperançoso. E muito vago: O quê é a inteireza à qual nos estamos supostamente movendo?
Admito que tive problema de entender a noção, precisando o dicionário para me ajudar. Webster me diz que inteireza é um substantivo que se relaciona ao adjetivo inteiro, implicando o seguinte: uma unidade, a qual não está sendo nem espalhada nem dividida, a qual é completa, inteira. Olho ao meu redor no meu mundo complexo estando curiosa para saber o que, em nome dos céus, possa significar isso. Estamos dizendo que queremos justamente sair dos fragmentos e conflitos que nos arredondam, de fato nos envolvem? Nessa espécie de inteireza, algo que é possível ou desejável; ou inteireza chegou a ser espécie de cochicho inclinativo, resposta confortável de asseverar trivialidades de reformadores irrealistas à fragmentação e complexidade do nosso mundo? Posto grossamente, inteireza-como-unidade ou singularidade parece como espécie de sonho bonito, bem ingênuo e simplista e sem qualquer sentido no mundo de hoje. Não vejo nada de errado essencialmente com fendas, fragmentos, dubitabilidade, até conflitos.
Essas foram as minhas primeiras reações e questões iniciais, quando ponderei o título. A seguir, continuei a pensar sobre as duas próximas palavras no título, ‘mulheres’ e ‘religião’, e as encontrei igualmente desafiadoras. São essas categorias das quais possamos falar ou as quais possamos usar em algum sentido analítico? Como antropóloga praticante, sei, por exemplo, que possamos meramente falar sobre ‘mulheres’ – bem, talvez trazer bocados de biologia chamando-nos de ‘femininas’, e isso possa ser aceitável; mas no mundo de hoje precisamos admitir ‘mulheres’ e os modos de ser ‘mulher’ e, naturalmente, de ser ‘homem’ são entendidos como construções sociais e culturais, sendo assim altamente ligados à cultura. ‘Religião’ como fenômeno é talvez mais facilmente – fé num ser sobrenatural, mas mesmo aqui estou lembrada das discussões e debates sem fim entre antropólogos a respeito de ‘religião’ e de como possamos definir esse conceito escorregadiço. O budismo não põe, de fato, a existência de um ser superior.
Somente na última parte do título, ‘um mundo global’ é fácil, tanto como frase quanto como fenômeno. Não há questionamento de que o mundo global exista, nitidamente ligado ou talvez agrilhoado pela Internet, pela indústria de óleo, por bens chineses sem fim, viajantes e migrações e, naturalmente Coca-Cola e MacDonald’s. Não nos temos de mover em direção ao mundo global como nos temos de mover em direção à inteireza, porque ele está muitíssimo aqui. Essa espécie de inteireza, a inteireza global, se quiseres, é fato que ninguém questiona, embora todos nós conheçamos pessoas que não gostam dela, até tais que a atacam.
Mas o que estou sugerindo – e isso é o cerne da minha fala – é que precisamos encontrar caminhos para fazer o global – o macro-mundo caracterizado pela grande coisa – fluxos financeiros, tecnológicos e étnicos – inteira. Assim estou agora olhando nesse termo como aspecto do mundo moral, o ético, o espiritual e o local. Estou tentando prorrogar inteireza a partir do termo em curso, globalização, confinados a pensar globalmente, agir localmente. Assim vou tentar contrapor o global – lá fora e algum tanto impessoal – com inteireza – no aqui e essencialmente pessoal.
O meu argumento começa olhando para três esferas diferentes das nossas vidas, ou talvez de três perspectivas diferentes:
primeiro, daquela da sociedade,
segundo, daquela dos muitos tipos de grupos reais aos quais todos nós pertencemos – as nossas redes de muitas facetas, e
terceiro, da perspectiva do individual.
A primeira perspectiva é a sociedade em geral, fenômeno que o sociólogo americano Benedict Anderson chamou de ‘comunidades imaginárias’. Essas são comunidades às quais todos nós pertencemos, sendo compostas de pessoas que não conhecemos, mas com as quais temos um monte de coisas em comum. As mais típicas dessas são os estados nacionais em que todos nos vivemos.
A segunda é aquilo que chamamos de grupos reticulares – pessoas que conhecemos em um ou outro contexto e mais ou menos intimamente. Esses grupos reticulares podem incluir a nossa família, as nossa congregações religiosas, nossos colegas, possivelmente membros da nossa união de trabalho, as nossas classes cerâmicas ou ligas de jogadores e muitos outros.
A minha terceira perspectiva – e possivelmente a mais difícil – é aquela do indivíduo.
Essa é a estrutura da minha fala. Deixai-me começar com
‘inteireza’ na ‘sociedade’!
Para ilustrar o meu ponto, deixai-me levar-vos num passeio breve ao largo centro de shopping no subúrbio de Estocolmo! Entramos por portas giratórias massivas de vidro, sendo imediatamente tocados pela altura sem fim do telhado – espaço público no seu melhor. Estamos pasmados, pode ser chocados, pelo número de lojas e a superabundância de mercadorias, estamos tentados a parar em um dos balcões de alimentos e restaurantes de galeria onde possas escolher comer alimento da Tailândia, México, dos EUA, da Itália, Japão – tu o escolhes. Percebemos também, ao mesmo tempo, que nos estamos movendo entre pessoas de todos os tipos: são louras ou escuras, algumas meio-nuas com umbigos expostos, outras estão com xales e cobertas e ainda outras são vestidas com eu. São jovens e velhos e ornamentais e modestas e em cadeiras de rodas e ambulantes. Respiramos e olhamos para cima, vendo uma bandeira estendida através da passagem principal, na qual está escrito em grandes letras amarelas: känn dig som hemma, sente-te como em casa! Agora, o que se supõe que façamos, penso, é considerar tudo aquele hoo-hah, todos esses alimentos de lojas populares como uma casa. Nos pedem que consideremos aquele centro, aquele mundo muito complexo e dividido, aquela multiplicidade como algo familiar, como algo ao que pertencemos, como algo como casa.
A metáfora de casa é muito forte – muito familiar a mim como quem vivia na Suécia por 40 anos. ‘Folkheimet’ ou ‘lar da gente’ era um termo regularmente usado por políticos suecos nas décadas dos anos de 1930 e 1940 para descrever a Suécia. Naqueles dias, a Suécia era mais loira e de olhos azuis, um tanto mais culturalmente homogênea do que é hoje. Mas houve enormes mudanças na demografia da Suécia – não somos mais tão loiros e de olhos azuis – e temos grandes dificuldades pondo toda a gente aí na ‘casa’ e ver os nossos co-cidadãos de 127 países ao redor do mundo como parte de nós e nós como parte deles. Assim o sinal känn dig som hemma, sente-te como em casa, é um pretexto. A inteireza duma casa, com o seu compartilhar e entender e estar juntos e possivelmente história comum que caracteriza a casa, é ainda um sonho na Suécia multicultural – e de fato na Europa. A nossa mídia focaliza constantemente nas nossas sociedades como sociedades fendidas, falamos sem fim de nós e eles, mas porá causa de sermos democracias, acrescentamos a isso algo que consideramos positivo – o excitamento de multi-culturalismo, as maravilhas da diversidade. Mas o projeto não funciona: Falamos muito sobre integração – e não fazendo tudo o que é dela. Pode ser que a bandeira nos desafia para nos ‘sentir como se estaríamos em casa’ – porque grandes números de nós não o fazem. O nosso desafio é criar uma inteireza-com-diversidade, não inteireza como unidade, e a maioria dos estados europeus, com os seus grupos étnicos fortemente singulares e as suas histórias cristãs, estão tendo dificuldades para fazer isso. Não é para mudar de nações igualantes como grupo étnico liberal a nações como todos os espécies de cidadãos.
Ainda – vamos voltar ao centro de lojas – aqui, os fragmentos, a diversidade é que se juntam, mas não perdem o seu ser separados, os muitos tipos/culturas/tradições é que se encontram literalmente sob um único telhado, de algum modo pertencem a alguma mesma coisa – todos pagando taxas e obedecendo aos mesmos sinais de trânsito ou vão á escola. Há mais inclusão, mais compartilhar do que sobre o que falamos, do que reconhecemos. Mas em vez de falar sobre inclusão, sobre o que compartilhamos com co-cidadãos, co-compradores/as, co-mães e –pais e –avós, temos sessões sem fim sobre discriminação e montes para falar sobre os nossos imigrantes e as nossas diferenças. O meu ponto com o meu centro de compra é que aí poderia haver alguma inteireza, algum vir junto, o qual não é reconhecendo, mas que caracteriza – ou pode caracterizar – as nossas vidas sociais diárias.
Preciso jogar para dentro aqui alguma antropologia boa, porque estou essencialmente falando sobre cultura e o que poderíamos entender por esse termo nas nossas sociedades complexas. O meu colega e professor, Ulf Hannetz, antropólogo social sueco proeminente, que trabalhava com culturas e sociedades complexas por quatro décadas, sugeriu que definamos ‘cultura’ uma como faixa de idéias, normas e modos de interagir, a qual pessoas num certo contexto compartilham. Não notável. Mas ele tem uma grande de linhadora única, que quero compartilhar com vós: cultura é aquilo que ‘sei que tu sabes que sei’. É que são todas as espécies de saber que compartilhamos, mas sobre os quais raramente conversamos e tomamos muito por certas.
Visto desse modo, algum nível da inteireza já está aqui. Poderíamos e, de fato, deveríamos enfatizá-lo um pouco mais, deveríamos tomar uma olhada reflexiva longa no que nos conexa – não só como cidadãos de nações, mas como cidadãos do mundo. Deveríamos falar mais sobre aquilo que compartilhamos como terrestres ou homo sapiens antes que nos diferencia – todos os riscos com os quais vivemos diariamente como esquecimento global e outras formas de poluição, AIDS e outras pandemias. E todos esses males nos quais vivemos – tais como tráfico em mulheres e crianças e narcóticos e, naturalmente, terrorismo. O meu ponto é que inteireza é esse senso sócio-político é algo que é possível, em direção do qual temos de agir, algo que temos de definir e identificar e fortalecer conscientemente. Não sou grande admiradora da UN, mas, como a minha mãe disse uma vez, é uma idéia boa danada. Impulsiona inclusão-com-diferença, como o faz a ICCJ, Médicos sem Fronteira, alguns grupos religiosos, etc., etc.
Deixai-me ir ao meu contexto segundo, não às nações e sociedades impessoais nas quais vivemos, mas
à nossa rede pessoal, às pessoas que conhecemos
e das quais precisamos e as quais amamos! Essas redes são a fonte da maioria dos sentidos nas nossas vidas. Nessas redes há mais daquele material comum, mais daquilo que sabemos juntos e do que sabemos que sabemos. Alguns dos elos são escolhidos – colegas, amigos, possíveis co-membros de coro. E alguns não o são – família, vizinhos. Mas o que é característico de todas essas redes – e aqui está o meu ponto – não é tanto quem está nelas, mas que os elos andam em dois caminhos – tanto damos quanto tomamos. Ao que estou chegando aqui é a importância de reciprocidade nos nossos mundos sociais e da contribuição desta para gerar ou criar inteireza.
Deixai-me pôr isso um pouco mais adiante, porque quero chegar aos problemas com essa reciprocidade! Faz muitos anos, quando comecei a estudar antropologia, um dos nossos tópicos favoritos era ‘tipos de sociedade’. Gastamos meses sem fim aprendendo diferenciar entre caçadores e coletores, pastoralistas, agriculturalistas sedentários domesticados, camponeses dependentes de sistema e, naturalmente, sociedades assim chamadas modernas urbanas naturalmente industrializadas, como a nossa. A grande diferença entre todas essas sociedades e a nossa – pusemos – era que nelas o grupo parente era a unidade básica de organização social, sendo as sociedades devotas à tradição e continuidade. As nossas sociedades, muitas vezes chamadas de ‘o Ocidente’, eram diferentes em espécie: aqui as unidades básicas eram indivíduos ou grupos de interesse antes de grupos relacionados por parentesco, as pessoas escolhendo os seus contatos sociais e os seus futuros na base das suas necessidades e interesses próprios, antes das idéias dos seus pais. Estamos também devotados a mudar e progredir.
Assim, identificamos uma dicotomia, uma oposição binária, sociedades tradicionais e modernas, e escrevemos muitas monografias que descreveram estas. Fizemos isso porque provavelmente precisássemos categorizar sociedades para assuntos analíticos e, para fazer isso, essas residiam em muitas dicotomias deferentes – das quais tradição e modernidade era provavelmente a mais popular. Hoje em dia, sabemos que esses contrastes agudos entre tipos de sociedades são um pouco exagerados e muito fora de moda. Hoje estamos tentando juntar dicotomias, porque a vida é de fato manejando contradições, descontinuidades, complicações. Meta mais realista é tentar entender como seres humanos manejem as contradições das suas vidas, como componhamos dicotomias, porque a vida esteja de fato manejando contradições, descontinuidades, complicações. Meta realista é tentar entender como seres humanos manejem as contradições das suas vidas, como componhamos falar, tradição e modernidade, como manejemos balançar os nossos direitos como indivíduos e as nossas obrigações como membros de sociedades.
Esse último pouco é que quero enfatizar: a conexão entre obrigações comunais e direitos individuais e como manejar ambos. Deixai-me levar-vos à nossa mesa de Seder no dia de festa da Páscoa, porque penso que tenho uma chave para como fazer isso. Estamos lendo a Hagadáh, o texto que lemos naquela noite e que descreve o êxodo de Egito e as dez pragas e Moisés como líder e assim em diante. Chegamos ao versículo 16 no salmo 115 e paro de pensar. O texto reza hashamayim shamayim l’adonai ve’haarets natan libney adam: Os céus são os céus de Deus, e a terra foi dada aos seres humanos. Aqui está a mensagem e o meu modesto midrash ou interpretação desse versículo: a nossa tarefa como seres humanos é agir na terra e estar cônscios do céu, para juntar de algum modo céu e terra, os valores que vemos como ‘céu’ e os desafios com os quais estamos encarados – de fato, a sujeira que criamos na terra. O versículo, como o interpreto, junta a dicotomia – céu e terra, sagrado e profano, tradição e moderna – desafiando-nos a fazer todas essas contradições operar. Isso é inteireza para mim – juntar as oposições, as contradições da vida, não escolhendo o um ou o outro. E aqui fui capaz de trancar a um pouco da tradição judaica, a qual penso que nos possa ajudar – ou pelo menos a mim – para fazer isso.
O individual
Agora à minha perspectiva mais árdua: o individual. Aqui estou trazendo para dentro as mulheres – atual e justamente esta mulher – e religião – e como possa introduzir uma medida de inteireza na minha própria vida. Para fazer isso, vos preciso levar à sinagoga. É sábado, manha de Shabat, e nos todos estamos diante da arca aberta. Temos justamente completada a leitura da Toráh e estamos pondo a Toráh de volta na arca. O sentir de união, o que judeus chamavam de ‘povidade’ na sinagoga está tão forte que o possas tocar. O cantor começa a oração. Ets hayim hi… a Toráh é árvore de vida para aqueles que a mantêm. Os modos dela são modos de deleite, e todos os seus caminhos são paz. Então juntos, cantamos: hashebenu adonay elekó v’nashubó, hedesh yòmínu k’kedem: volta-nos, Deus, e seremos voltados, renova os nossos dias como antes!
Com de costume, oramos em coletivo, tão típico para a oração judaica. Mas ouço o versículo como um individual e por muitos anos. Era tão disturbada por ele que estava incapaz de me juntar no cantar. Achei esse versículo insuportavelmente nostálgico: porque não sabia quais anos ou dias anteriores estávamos querendo que voltem, e não quis voltar a qualquer um deles. Então, em um Shabat, estando de pé na sinagoga, entendi de repente o que a oração quis dizer, sendo aquilo pelo que oramos é para que Deus nos renove, nos faça novos, nos deixe ver os nossos dias presentes como novos. Não estou certa de que os rábis gostem dessa interpretação, mas ela serve para mim, e está diretamente relatada à inteireza. Não é que queira negar as tensões, as incertezas e retorno a um tempo prístino quando todas as coisas eram maravilhosas – tais tempos nunca existiam. O que quero é ser capaz de injetar novidade na minha vida, ver a vida – meus problemas – minha situação de novo, para re-apropriar, para re-corrigir. Essa é a inteireza que procuro, uma inteireza que é tanto um reconhecimento dos fragmentos, de complexidades, como a crença de que os possa juntar… Não é fácil, mas não é impossível.
Todavia, aqui é o meu ponto e a minha preocupação com religião: a oração que lemos quando estamos de pé diante do arco, a oração sobre que nos façamos novos, sobre a re-novação de nós mesmos não existe em um nenhures, não num outro mundo. Num sentido muito real, todos os lugares de veneração são intimamente conexos com vários cantos do centro de lojas ou o parque público ou, se me permitires, o mundo global. Somos obrigados a pôr o um no outro. A sinagoga e a oração fazem parte integral dum contexto que é o nosso mundo complexo, com a sua fé no progresso e mudança e escolha. Há outra oração no livro judaico de orações que tem mensagem similar: Hashem mehadesh bekol yom ma`sey b’reshit; o Nome (= Deus) renova em cada dia as obras no início (da criação).
Um sumário breve até aqui: Arguo que inteireza é de algum modo adquirida nas nossas vidas diárias e relacionamentos diários por inserir o eterno no prático, céu na terra, tradição na mudança. É também alcançada vendo o mundo como uma casa, um conglomerado de fragmentos, mantidos juntos de algum modo pelo relvado comum, o telhado singular. Inseri algumas partículas da religião judaica nestes comentários. Mas o que podemos dizer sobre mulheres?
Esse é um assunto difícil, porque não podemos pôr essas pessoas numa caixa, há mulheres e mulheres e mulheres. Não um grupo, meramente uma categoria, senão alguém vier a variedade de feições físicas comuns como significantes. O é complicado é que há algo relativamente novo na história humana. Definindo ‘mulheres’ nas Bíblias era mais fácil nas nossas várias tradições bíblicas: as mulheres parecem ser a biologia delas. A identidade delas está estreitamente ao serem filhas, esposas e mães. O foco mais forte é a reprodução, a qual parece ser a finalidade do casamento e de ser mulher em geral. Todos sabemos de muitas histórias de maternidade ou de falta de maternidade – e das tragédias envolvidas nisso.
Mas a maioria de nós pessoas que estão sentadas nessa sala é de mulheres que têm igualmente umas poucas outras qualidades importantes – profissionais, nacionais, étnicas. A nossa inteireza – pelo menos a minha – se baseia em pôr juntas essas identidades. Não tenho intenção de escolher. E posso encontrar algum apoio na tradição judaica para a minha idéia. Na tradição judaica, identificamos 613 mitsvôt, mandamentos. A metade é negativa e deve ser observada por cada um, e a metade é positiva e pode ser realizada por todos, mas não precisam ser realizadas por mulheres. Há três mitsvôt que mulheres devem realizar: nida, o banho ritual, nerôt, acender velas para introduzir o Shabót, e a halóh, da qual pensamos comumente como cozer o pão do Shabót. Aqui há o meu midrash, a minha interpretação um tanto radical dessa. Nos dá idéia de inteireza e as mulheres, onde as precisamos ser, precisamos ser individuas, para cuidar dos nossos corpos e das nossas almas, pode ser dos nossos planos e sonhos individuais. Essa é a mensagem do banho ritual muito sozinho (não percebo que alguma de vós tenha uma interpretação bem diferente dessa mitsvóh). Precisamos, então, estar muito atadas aos nossos mundos de rede – isso está incluído no mandamento de acender as velas de Shabót na casa. Então há o mandamento de agir para o nosso mundo, o tiqun `olam. Isso está conectado à halóh - muito antes da contribuição de que mulheres assumiam serem fazedoras de pão – era para ser feita pelos sacerdotes, pelo mundo inteiro naquele tempo, justamente um pouco maior agora.
Inteireza, então, é admitir fragmentos e juntar contradições, juntar todas as espécies de papeis e identidades.
Um rábi, sei muito bem, sugeriu que devêssemos definir inteireza: como shleymôt , a mesma raiz que a palavra hebraica shalôm. Relembrou-me que esta não significa paz, significa inteireza. Assim estou tomando a palavra dele, mas estou sugerindo que inteireza não é muito pacífica, nem sempre se sente bem. É puxando para obter, nunca esquecendo no que os seres humanos compartilham sob esse telhado globalmente esquentado, insistindo em nossas responsabilidades coletivas, bem como direitos, sendo centrada numa visão de indivíduos renováveis. Assim tens Judi, uma cidadã, um membro-mão-esposa-colega duma congregação, e um indivíduo tentando me renovar a mim mesma, pode ser não completamente inteira, mas manejando.
Mary Boys
Preciso confessar que a enormidade me tentou a quase-desespero. Como, no mar de palavras que fluem de conferências desse tipo, para dizer algo que nos vá levar para dentro de água mais funda (ou para evitar que chegue a entrar em água mais funda?)? Talvez haja cientistas com competência em todas as realidades das nossas mulheres tópicas e religião, a natureza de inteireza, globalização e a relação de todas essas para cada uma – mas não me conto entre elas. Além disso, nem posso reivindicar falar sobre um tópico que envolva o par “mulheres e religião” na cadência fria de prosaica acadêmica. Assim, não quero, como Nancy Mairs o põe, “me estabelecer uma como consciência impessoal autoritativa, capaz de entendimentos geralmente válidos tirados com o equivalente humanístico de objetividade científica (Voice Lessons: On Becoming a[Woman] Writer, 49).
Ao contrário, o que ofereço aqui nesta tarde poderia mais bem chamado de “testemunho”. Assim, venho a vós como testemunha, tentando como mais bem possa falar verdade, assim que Deus me ajude.
Como testifico, tento manter a imagem do planeta terra diante de mim, a consciência de que o meu testemunho é somente uma única voz no coro vasto de mulheres, muitas das quais vivem em situações de silenciar a sua voz, assim que falam somente acima de um mero cochicho numa voz trêmula na cacofonia das sua sociedades. Manter “mundo global” diante de nós é relembrar daquelas muitas mulheres que têm negada a sua dignidade como seres humanos, como aquelas muitas vítimas sem nome de rapto em Darfur e da República Democrática do Congo. É também manter em mente aquelas mulheres inacreditavelmente corajosas que falam abertamente para direitos humanos a custo grande.
Sabemos, naturalmente, que “religião” adicionada a “global” possa exacerbar o conflito. O rábi Jonathan Sacks, no seu livro por vir To Hear a Fractured World: The Ethics of Responsability [Ouvir um Mundo Fracionado: A Ética da Responsabilidade], fala de religiões, não como de causas primárias de conflitos, mas como de “linhas de falta”, ao longo das quais os lados se dividiam:
Quando o conflito político for religionizado, será absolutizado. O que na política são virtudes de compromisso, a disposição de escutar ambos os lados, ao menos que a gente desejaria estar num mundo idealizado, são, na religião, vícios. A religião pode, portanto, agir, não como forma de resolução de conflito, mas antes de “intensificação de conflito” (p. 9).
De fato, nos reunimos precisamente porque estamos agudamente cônscios da história aflita, trágica das nossas comunidades religiosas e cometidas para reconciliação.
Aqui tocamos no poder imenso da religião num mundo global. As tradições religiosas representadas aqui nos obrigam a cuidar do outro, tanto to humano como não-humano. A religião acorda e afia as nossas sensibilidades morais, nos sustenta por rituais, símbolos e textos e oferece sistemas e estruturas para a obra de justiça. Não estamos, quaisquer forem as nossas diferenças, aqui por causa conhecemos o poder da religião no sarar o mundo?
Deixai-me falar de e a particulares da minha própria tradição! O catolicismo provê uma visão pela qual capto instantâneas da Presença Divina em modos sempre surpreendentes e espantadores. O catolicismo me dá linguagem, pela qual possa imaginar e me referir a Deus, práticas para um modo de vida, desde que não for engolida por valores seculares e demandas cotidianas e uma comunidade mundial de mais que um bilhão de pessoas, cujos membros são de virtualmente cada tribo e língua (na frase de James Joice: “Aqui cada um vem”). A tradição católica é profunda e ampla, e cheia de beleza e sabedoria.
Assumo que todos de nós nesta assembléia possam articular o que encontram de especialmente compelidor sobre a sua tradição, de fato, a oportunidade de expressar o que encontramos como o mais profundo e o mais importante na nossa tradição própria é dimensão vital de qualquer diálogo inter-religioso. E, desde que todas as nossas tradições são envolvidas pela finidade da condição humana, todos nós experimentamos os limites delas, aquelas dificuldades e dilemas que afligem os nossos corações e mentes.
Mulheres, no entanto, desenvolveram uma conscientização mais afiada desses limites, dada a dominância do patriarcado nas tradições abraâmicas. Na maior parte da história, as mulheres eram marginais no modo em que o Judaísmo, a Cristandade e o Islame foram ensinados, ritualizados e interpretados.
Uma perspectiva nova sobre a marginalização da mulher nas tradições Abraâmicas poderia ser discernida no comentário duma estudante de doutorado faz alguns anos. Referindo-se à copiosas notas que eu escrevera sobre as margens dos esboços da dissertação dela, ela me disse: “Há força nas margens. Só os professores chegam a escrever aí!” A observação dela sugere duas clarificações. Dizer que as mulheres são marginais não significa que são simplesmente vítimas ou sem poder. Significa que, historicamente em relação aos homens, as mulheres exerciam menos liderança e autoridade públicas nas suas tradições religiosas. Como conseqüência, as nossas tradições são menores por causa da nossa marginalidade.
Além disso, dizer que as mulheres são marginais não significa que somos marginais de modo igual. Como mulher branca educada, nascida nos Estados Unidos, criada numa família estável e mantendo posição profissional, qualquer marginalidade que eu experimentar é bem menor que aquela de 584 milhões de mulheres no mundo que são iletradas. E muito menos que as muitas mulheres e crianças – talvez tantas quantas dois milhões – que são traficadas cada ano para o fim de exploração sexual.
Mas todas as mulheres católicas - seja qual for o nosso status de classe, raça, educação, condição de vida ou orientação sexual entre as nossas muitas diferenças - compartilhamos de uma marginalidade em comum: as nossas vozes não contam tanto quanto as dos homens. E, quando a igreja oficial prestar menos atenção às vozes de mulheres, é sem ouvido tonal para muitas referências vitais (tais como traficar), bem como é incapaz de ouvir o tom autoritário que faz os seus julgamentos tão difíceis para muitos os aceitarem. Como conseqüência, os ensinos católicos tem menos profundeza e falam a menos pessoas. O “currículo” de vida da Igreja precisa de mulheres entre os seus escritores, não simplesmente entre os seus professores.
Uma rubrica que possa servir como estrutura analítica para a nossa consideração nesta tarde é a tipologia de Elliot Eisner, que fala de três currículos: o currículo explícito, ou o que está sendo ensinado; o currículo implícito, ou o qual está sendo ensinado implicitamente por aquilo que está sendo remunerado ou punido; e o currículo zero, o qual está sendo ensinado por força de ser ignorado (The Educacional Imagination, 2ª ed., 87-108).
Mulheres e o Currículo Explícito da Vida Católica
No nível do currículo explícito, vemos volta dramática para fora da misoginia característica dos debates da teologia cristã de séculos sobre se mulheres tivessem almas, pudessem exercer autoridade ou representar Cristo no altar. As mulheres foram responsabilizadas pela entrada do mal no mundo e ensinadas como que, por serem inferiores na criação, estariam para serem subordinadas na ordem de autoridade. Nas palavras de Tertuliano, as mulheres seriam “cada uma alguma Eva. A maldição de Deus sobre deste sexo de vós continua vivo em nossos tempos. Culpadas, deveis bordejar as suas durezas. Sois a porta do mal” (De cultu feminarum [Do culto de mulheres]).
Em breve, a história cristã como foi transmitida pelos séculos lançava homens nos papeis de liderança. Não quero repetir esse conto triste, como muito desse tem sido exposto agora pela distorção grave e injustiça que é. Mas desejo que os homens possam realmente sentir o que nos faz saber que somos quase invisíveis no palco da Igreja e do mundo na narrativa cristã – para não dizer vilipendiadas como a fonte do mal e sem a capacidade de razão.
A volta dramática no conto é que começamos a encontrar papéis mais em harmonia com os nossos dotes naturais. Os documentos da Igreja estão, na sua maioria, livres da dependência na inferioridade natural de mulheres (veja Mary Aquin O’Neil: “The Nature of Women and the Method of Theology”, Theological Studies 56/4 (1995).
No entanto, mesmo então tendemos a sermos caracteres fixos, enquanto, como mulheres, descritas em categorias essencialistas. Por exemplo, como o papa João Paulo II escreveu em Mulieris Dignitatem, “Maternidade está ligada à estrutura pessoal da mulher”. Dá a mulheres em geral capacidade especial (“predisposição”) a dar “atenção” a outras pessoas, e até capacidade especial para amor. Tanto Lisa Sowle, eticista, e Margaret O’Brien Steinfels, jornalista (e ambas mães), caracterizam a imagem do magistério do feminino de “qualidades nutrientes, materiais” como sendo “estranhamente implausíveis” e “separadas por um quiasma da experiência ordinária de um número crescente de mulheres e homens” (veja Lisa Cahill, Women and Sexuality, 54!)
É salutar que o Vaticano fala da dignidade das mulheres antes de em descrições mais negativas das eras anteriores. O currículo explícito é, sem dúvida, melhorando. Ma com somente poucas mulheres escritoras desse “currículo”, fica atolada em categorias essencialistas e esquecida de algumas referências chave.
O Currículo Implícito e a Vida Católica
A face pública do Catolicismo é masculina. Pensa no ambiente papal! Pensa nos dois encontros em Assis, nos quais líderes religiosos se reuniram para orar! Pensa em quão poucas mulheres oficiais vaticanas jamais se encontram como nobres – ou, como alguma amiga observou – quão pouco aqueles oficiais sabem sobre comprar mantimentos ou trocar panos ou lidar com uma adolescente melancólica.
Exemplo vívido dum problema com o nosso currículo implícito é evidente na dição duma notícia sobre a remoção vaticana de 6 sacerdotes por abuso sexual:
Joseph G. Zwilling, porta-voz para a arquidiocese de Nova-Iorque, disse no sábado numa entrevista telefônica que todos os seis homens perderam a sua pensão e não podiam mais realizar sacramentos da Igreja. “Não são mais sacerdotes, no período,” disse. “São reduzidos ao estado de leigo”. Privar de hábito é a penalidade mais áspera da Igreja Católica Romana, a qual a Igreja possa impor a um sacerdote (Damien Cave, “The Vatican Removes Priests”, Newe York Times, 10 de julho de 2005).
A despeito das palavras inspiradoras do Concílio Vaticano Segundo sobre o papel da missão da laicidade – e para todos os assuntos práticos, todas as mulheres católicas são laicidade – ser “laicizadas” é ser punidas, sim, “reduzidas ao estado de leigas”. Enquanto tivermos essa espécie de linguagem nos cânones da Igreja, as mulheres permanecerão inferiores. O currículo implícito triunfará sobre o currículo explícito.
A profundeza do currículo implícito da inferioridade de mulheres pode ser olhada rapidamente numa experiência de Eva Fleischner, a qual muitos de vós conhecem como um dos seres humanos mais graciosos do mundo, cientista apaixonada da Shoáh e das relações judaicas-cristãs, bem como uma católica séria. Eva atendeu a segunda sessão do Vaticano II (setembro-dezembro de 1963), credenciada como jornalista para Notas Ecumênicas. Como membro da delegação americana de jornalistas (e a única mulher no time), Eva foi convidada a participar da celebração da Eucaristia do Concílio.
Quando se aproximou a receber a comunhão, um guarda suíço bloqueou o caminho dela ao altar. Ela voltou para trás em lágrimas de raiva, a única mulher do corpo da imprensa dos US. Ela se sentia amargamente desapontada de que estivera sendo pessoalmente violada pelo que percebera entusiasmadamente como o espírito do Vaticano II (Herbert S. Heavenrich, In Search of the Sacred [Na Procura do Sagrado], 58)
Telefonei a Eva na semana passada para conversar com ela sobre isso – um evento que nunca esqueceu, como bem podeis imaginar. “Eva”, perguntei, “alguém lhe pediu desculpas uma vez?” “Não?”
Eva serviu, como muitos de vós sabeis, desde então na comissão apontada pelo Vaticano de historiadores (3 judaicos e 3 católicos), os quais investigaram o papel do Vaticano na Shoáh. Mas a memória de ser fisicamente bloqueada da mesa da comunhão permanece vívida, sendo testemunho poderoso como profundo era o problema no passado.
O Currículo Zero da Vida Católica
A alocução de Karl Rahner de 1979 no Concílio Vaticano Segundo, como o primeiro na história da Igreja de ser verdadeiramente um concílio mundial, fica uma das interpretações mais freqüentemente do Vaticano II (“Towards a Fundamental Theological Interpretation of Vatican II”, Theological Studies 40, 1979: 716-27). Mas, virtualmente, ninguém daqueles que citam Rahner parecem reconhecer que os 2500 padres conciliares eram todos homens. (Houve 23 observadoras mulheres, a maioria nas sessões terça e quarta. Nota que eram auditoras, nenhuma voz, nenhum voto!) Neste mês, nas leituras diárias para a Eucaristia, estamos ouvindo de novo a história do Êxodo. No entanto, estranhadamente, a história das parteiras Sheprah e Puah está omitida. Quantas vezes, quando o ensino ou política católicos forem representados, todos os delgados são masculinos?
Esse é o currículo zero. Quando mulheres são ausentes da formulação do ensino ou política católicos, quando mulheres são ausentes dos textos bíblicos na nossa liturgia, quando vozes de mulheres não podem ser ouvidas no interpretar a Escritura em sessões litúrgicas, o Catolicismo está, em efeito, ensinando que mulheres são marginais. E ensinando que mulheres são marginais, a Igreja está contradizendo o seu próprio ensino – o currículo explícito de que “qualquer tipo de descriminação, seja social ou cultural, seja baseado em sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião, tem de ser superado” (Gaudium et Spes).
No ano de 2000, fui privilegiada par reunir com 15 outras mulheres que deram a Madeleva Lecture no Saint Mary’s College em Notre Dame, Indiana. O colégio nos reuniu para escrevermos um “manifesto” breve no espírito das nossas preleções, as quais proclamamos em inglês e espanhol num evento público em 29 de abril de 2000. Concluo com os dois parágrafos finais do nosso manifesto:
Deploramos, mantendo-nos moralmente obrigadas, para protestar e resistir, em Igreja e sociedade, a ações, costumes, leis e estruturas, que tratem mulheres ou homens como menos inteiramente humanos. Nos comprometemos a mostrar a herança da justiça bíblica que manda que todas as pessoas compartilhem no relacionamento reto uma com a outra, com os costumes e com o Criador.
Nos consideramos responsáveis para procurar o santo em lugares e pessoas inesperados, e nos comprometemos para continuar o diálogo enérgico sobre assuntos de liberdade e responsabilidade para mulheres. Convidamos outras de todas as tradições para se juntarem anos no grande shalôm de Deus.
Textos ingleses 2655 e 2654
Traduções: Pedro von Werden SJ - Rua Padre Remeter, 108 - Bairro Baú - 78008-150 Cuiabá-MT - BRASIL -pv-werden@uol.com.br
