Jewish-Christian Relations

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    Resposta ao Documento da Comissão Bíblica Pontifícia
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Artigos | Contribuições Científicas (677)

Kessler, Edward | 31.08.2003

O Povo Judaico e as Suas Escrituras Sagradas na Bíblia Cristã

Resposta ao Documento da Comissão Bíblica Pontifícia

Edward Kessler

Introdução

Depois de tantos séculos de relações infelizes e traumáticas entre os cristãos e os judeus, era nova começou na última ligação de gerações. Começado por pioneiros na primeira metade do século vinte, tais como Claude Montefiore e James Parkes, o relacionamento recebeu atenção renovada e ampla como resultado da Shoáh (Holocausto). Isso resultou numa consciência geral da imensidade da carga de culpa que a Igreja carregava, não pelo seu silêncio geral, com algumas exceções nobres durante 1933-45, mas também por causa da tradição Adversus Iudaeos (Contra os Judeus), a qual levou ao ‘ensinar o desdém’ contra os judeus e o Judaísmo levado avante por tão muitos séculos.

Como Jules Isaac demonstrou imediatamente depois da guerra, era isso aquilo que semeou a semente de ódio, fazendo-o tão fácil para Hitler usar anti-semitismo como arma política. O cardeal Ratzinger, que escreveu uma promoção calorosa encomendando o documento em consideração, mostra consciência desse legado, afirmando que “a Comissão Bíblica não podia ignorar o contexto contemporâneo, onde o choque da Shoáh pôs toda a questão (das Escrituras) sob uma luz nova”.

A significância de The Jewish People and their Sacred Scriptures in the Christian Bible [JPSSCB texto original: VATICAN PRESS, LIBRERIA EDITRICE VATICANA, 00120 CITTA DEL VATICANO, www.libreriaeditricevaticana.com] [O Povo Judaico e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã] para as relações judaicas-cristãs está otimamente entendida em um número de momentos chave na segunda metade do século vinte, os quais ilustram a reavaliação cristã do Judaísmo. Precisa-se só mencionar o encontro em Seelisburg em 1947, o qual juntou cristãos e judeus que despacharam um 10 point statement [uma declaração de 10 pontos], concordando para fundar o International Council of Christians and Jews [Conselho Internacional de Cristãos e Judeus]. Outro marco miliário importante foi a criação do World Council of Churches (WCC) [Conselho Mundial de Igrejas] em 1948 em Amsterdam [Amsterdão] e o crescente movimento ecumênico, este que tentava derrubar as barreiras entre as Igrejas. Reuniões regulares do WCC, desde então, contribuíram à reavaliação cristã das relações com os judeus e o Judaísmo.

A Igreja Romano-Católica juntou-se ao diálogo judaico-cristão moderno durante o Vaticano II, mas a importância daquele começou a ser reconhecida poucos anos mais cedo, quando João XXIII modificou a liturgia da Sexta Feira Santa, na qual os católicos diziam: “Oremos também pelos infiéis judeus”. Em 1960, um ano depois, o Papa recebeu ampla atenção por saudar publicamente visitantes judaicos com as palavras: “Sou José, vosso irmão.”

Em 1965, Nostra Aetate foi publicado e, na sua esteira, veio rico crescimento no diálogo católico-judaico.Um parágrafo chave declara:

Já que o patrimônio espiritual comum para os cristãos e judeus é assim tão grande, este Sínodo sagrado deseja fomentar e recomendar aquele entendimento e respeito mútuos, que são o fruto, sobretudo, de estudos bíblicos e teológicos.

Segundo Edward Flannery, Nostra Aetate “pôs fim, num golpe, a um ensino milenar de desdém aos judeus e ao Judaísmo e inequivocamente afirmou o débito da Igreja à sua herança judaica.

E. Flannery, ‘Seminaries, Classrooms, Pulpits, Streets: Where we have to go’ [Seminários, Salas de Aula, Púlpitos, Ruas: Aonde temos de ir] em R. Brooks (ed.) Unanswered Questions: Theological Views of Jewish-Catholic Relations [Questões não-respondididas: Visões Teológicas das Relações Judaicas-Católicas], ed. R. Brooks (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1988), pp. 128s.

O mais importante de tudo: saiu numa era nova, atitudes frescas, linguagem nova de discurso nunca ouvida antes na Igreja Católica referente aos judeus. O conceito dum diálogo entrou agora no relacionamento.

No entanto, o sucesso do documento dependia de “coisas a serem ainda elaboradas (Cf. E. Flannery, op. cit. acima). Havia várias questões deixadas sem respostas e, olhando para trás por 40 anos, o que Nostra Aetate alcançou era uma série de possibilidades, as quais podem ser vistas e frases tais como “Deus ama muito os judeus” e “entendimento e respeito mútuos”. Esses se referem a assuntos como pregar, anti-semitismo cristão e a interpretação da Escritura. Por exemplo, Nostra Aetate determinou que nada devesse ser ensinado ou pregado que estaria “fora da harmonia com a verdade do Evangelho”.

A Flannery, vatican Council II: the Conciliar and Post Conciliar Documents (Dominican Publications: Dublin, 1981), p. 741.

1965 era ainda claramente cedo demais para considerar porque textos em Mateus e João tendiam desculpar os discípulos, mas acusam mais e mais os judeus excluindo mais e mais os romanos. Como o vou examinar em baixo, a JPSSCB põe esta questão como uma de várias tarefas no seu exame do relacionamento entre a Escritura e o encontro judaico-cristão. Visa a responder ao Cardeal Ratzinger quando este pergunta: Não é que o próprio Novo Testamento contribuiu para criar hostilidade contra o povo judaico, a qual provia apoio para a ideologia daqueles que quiseram destruir Israel?”

Desde 1965, tanto as Denominações Protestantes como a Igreja Católica despacharam declarações significantes sobre o relacionamento judaico-cristão. As primeiras incluem:

  • O Sínodo da Renânia em 1980 (Igreja Evangélica na Renânia) titulada de Towards a Renewal of the Relationship of Christians and Jews [Em direção à Renovação do Relacionamento dos Cristãos e Judeus]
  • A Conferência de Lambeth de 1988 (Comunhão Anglicana) titulada de Jews, Christians and Muslims: the Way of Dialogue [Judeus, Cristãos e Moslins: o Caminho de Diálogo]
  • A Igreja Luterana Evangelical na América em 1994, titulada de Declaration to the Jewish Community [Declaração à Comunidade Judaica]
  • A Sociedade Eclesial de Leuenberg (compondo-se das Igrejas da Reforma na Europa) em 2001, titulada de The Church and Israel [A Igreja e Israel].

Essas declarações exigiam que a Cristandade abandonasse a sua animosidade religiosa histórica e desviada caricatura do Judaísmo, as quais foram admitidas como erradas. Como resultado, a Cristandade começava a se mudar daquilo que, na maior parte, era necessidade inerente de condenar o Judaísmo a uma das condenações do antijudaísmo cristão.

A Igreja Romano-Católica produziu também varias declarações sobre os judeus e o Judaísmo desde o Vaticano II. Todas foram despachadas pela Comissão Pontifícia para Relações Religiosas com os Judeus, provendo a base para a JPSSC:

  • Em 1974: Guidelines and Sugestions [Guias e Sugestões] para Implementar a Declaração Conciliar Nostra Aetate
  • Em 1985: Notes [Notas] sobre o Modo Correto de Apresentar os Judeus e o Judaísmo na Pregação e Catequese
  • Em 1998: We Remember [Nós nos lembramos]: Reflexão sobre a Shoáh
Para (o texto inglês d)as declarações, veja Para análise das declarações veja o meu: “Jewish-Christian Relations in the Global Society: What the Instituional Documents Have and Have Not Been Telling Us” [As Relações Judaicas-Cristãs na Sociedade Global: O que os Documentos Institucionais Nos Têm e Não Têm Contado] em E. Kessler, J. Pawlikowski e J. Banki (ed.s), Jews and Christians in Conversation (Cambridge: Orchard Academic, 2002), pp. 53-73.

Esse processo não tem levado a uma separação de todas as coisas judaicas, mas, de fato, a um relacionamento mais estreito com “o irmão mais velho”. Assim, no que se refere à contribuição cristã ao anti-semitismo, as Igrejas Protestantes e a Igreja Romano-Católica, em vez de fazer parte do problema, chegaram a fazer parte da solução. Temos viajado a uma grande distância do tempo da geração dos meus pais, que se sentia tão abandonada durante o Holocausto e muito tempo depois, quando os judeus duvidavam se seriam uma vez ser aceitos como parte da humanidade. Parece mal concebível que só uma ou duas gerações passaram desde então.

Nós Nos Lembramos é um tanto diferente de Nostra Aetate, Guias e as Notas. Quando rodeando no condenar o anti-semitismo, o Vaticano evitara até então largamente a questão do Holocausto. Em 1987, na esteira da controversa sobre a recepção, pelo papa, do Presidente Austríaco, Kurt Waldheim, que fora um nazista ativo, o Vaticano prometeu despachar um documento. Nós Nos Lembramos enfatiza os males do anti-semitismo, embora não fosse tão longe como os bispos franceses, que declararam que “é importante admitir o papel primário jogado pelos consistentemente repetidos estereótipos anti-judaicos erradamente repetidos pelos cristãos no processo histórico que levou ao Holocausto”.

Durante essa transformação nas relações, é possível traçar emergência gradual de dois assuntos com clareza crescente, ambos dos quais estão chegando a ser mais e mais significantes no encontro judaico-cristão. De fato, é a minha visão que vão permanecer centrais para o encontro cristão contemporâneo com o Judaísmo. Primeiro, os documentos delineiam que a história do Judaísmo não terminou com a destruição do Segundo Templo, mas sim desenvolveu uma tradição religiosa inovadora e viva. Segundo, delineiam que os cristãos precisam entender o Judaísmo como fé viva, devendo-se esforçar a aprender por quais traços os judeus se definem à luz da sua experiência religiosa própria.

Por exemplo, as Notas sobre o Modo Correto de Apresentar os Judeus e o Judaísmo na Pregação e Catequese de 1985 exortam os pregadores e catequistas para “avaliar-lo cuidadosamente em si e com devida consciência da fé e vida religiosas do povo judaico como estas estão sendo praticadas ainda hoje”. Essa instrução é um dos critérios pelos quais precisamos julgar o documento de 2001 - à qual extensão o Povo Judaico e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã mostram apreciação do entendimento judaico moderno da Escritura? Em outras palavras: a Cristandade aprecia o Judaísmo nos seus termos próprios, ou a velha teologia de Adversus Iudaeos continua em modos mais sutis?

Isso está sendo nitidamente ilustrado pelo retrato de Yossi Klein ha Levi dum encontro com uma Irmã das Beatitudes em Israel em Na Entrada ao Jardim de Éden. O perigo da re-asservação da ‘velha teologia’, a irmã informa o autor, está sendo ilustrado quando cristãos disserem simplesmente: “’obrigados, povo judaico, por nos dar a Bíblia. Obrigados por ser o povo de Jesus’. Mas isso é arqueologia. Estou disposta a encontrar o Judaísmo como ele é ou justamente por nostalgia?” (Nova York: Harper Collins: 2002), p. 203.

Isso mostra que precisamos explorar a diferença entre respeito e reverência cristãos pelo Judaísmo e apropriação ou substituição do Judaísmo. É isso possível --e talvez devemos também perguntar: é isso desejável?-- esperar os cristãos integrarem o Judaísmo vivo em alguma extensão na sua identidade? Esse desejo, sem dúvida, jaz atrás da canonização de Edith Stein em 1999. No que se refere ao Papa, a canonização dela fazia os sofrimentos compreensíveis para as massas dos católicos, ensinando que ataque aos judeus era ataque à Igreja. Uma das metas da canonização era desenvolver o senso de comunhão com o povo judaico. No entanto, uma preocupação expressada por alguns judeus e católicos representa o lado negativo de tal integração - a apropriação de sofrimentos judaicos pelos cristãos.

Fica claro, pelos exemplos acima mencionados, que o encontro cristão-judaico moderno requer grande paciência. Porém, num espaço de tempo muito curto (os últimos 40 anos), a Igreja Romano-Católica produziu série notável de documentos, os quais têm, não só repudiado a sua teologia antijudaica, mas sim a invertido. O povo judaico não está mais visto como amaldiçoado, mas sim como abençoado. A JPSSCB representa outro estágio chave no desenvolvimento dum entendimento cristão novo do Judaísmo.

A JPSSCB representa ensinamento romano-católico corrente sobre o relacionamento judaico-cristão no contexto da ciência bíblica, almejando a “fazer avançar o diálogo entre cristãos e judeus com claridade e num espírito de estima e afeição mútuas” (Forword). È a primeira declaração sobre relacionamentos judaicos-cristãos despachada pela Comissão Bíblica Pontifícia. Isso é significante, porque ilustra que aquela consideração do encontro cristão-judaico se estende para além da Comissão Pontifica para Relações Religiosas com os Judeus. É a referência da Igreja como um todo.

O documento está dividido em três partes.

  1. A primeira explica como as “Sagradas Escrituras do povo judaico são parte fundamental da Bíblia Cristã”, e que os escritos do Novo Testamento reconhecem que as Escrituras Judaicas têm valor permanente como revelação divina.
  2. A segunda parte examine assuntos chave, os quais ligam as Escrituras tanto judaicas como cristãs.
  3. A terceira se dirige à atitudes do Novo Testamento aos judeus e ao Judaísmo.


1. As Escrituras Sagradas do Povo Judaico como Parte Fundamental da Bíblia Cristã

A primeira seção segura o que o papa identificou como a ressurgimento do marcionismo, enfatizando que o Novo Testamento não deva ser visto em oposição ao Antigo. De fato, as Escrituras Judaicas (geralmente usadas como alternativa ao termo ‘Antigo Testamento’) formam parte integral da Bíblia Cristã (interessantemente, o documento, em nenhum ponto, refere-se na Bíblia Católica). No século segundo EC (Era Comum = dC) Marcião argüira que, embora sem sucesso, a Cristandade devesse rejeitar as Escrituras Judaicas (bem como a maior parte dos Evangelhos). A tensão entre as Escrituras é, portanto, tão antiga como a própria Cristandade. As primitivas Igrejas cristãs insistiam simultaneamente na continuidade e a descontinuidade do relacionamento entre o ‘Antigo Testamento’ e o ‘Novo Testamento’. A continuidade se centrou na reivindicação de que o Deus da Bíblia Hebraica era o mesmo que o Deus de Cristo. A descontinuidade se derivava da crença de que a Bíblia Hebraica apontava a um evento futuro de salvação - ao Cristo. Esse uso de termos como o de ‘continuidade’ e ‘descontinuidade’ está também comum na JPSSCB, mas com uma diferença significante - nenhum dos termos implica que os judeus têm perdido a sua ‘propriedade’ das suas ‘Sagradas Escrituras’. Antes, A Cristandade e o Judaísmo compartilham numa herança comum, “a Sagrada Escritura de Israel” (§10), a qual não está mais sendo possuída somente pela Igreja.

O contínuo ‘direito’ judaico às Sagradas Escrituras tem implicações significantes para o dia presente, e relações cristãs futuras com Israel, portanto, porque rejeita as reivindicações de alguns cristãos de que a Cristandade tem substituído o Judaísmo como o Novo Israel. O reconhecimento da ‘propriedade’ judaica das Escrituras marca outro passo importante pela Igreja Católica no seu abandono do ‘ensinar o desdém’ e preocupação sobre a sua herança de Adversus Iudaeos. O ensino tradicional se baseia nos escritos dos Padres da Igreja, como evidenciados por Justino o Mártir (d.160), que argüiu que a Igreja tomara posse do Judaísmo, porque somente a Cristandade pudesse oferecer a interpretação correta:

Que todos nós gentílicos nos juntemos glorificando a Deus, porque Ele olhou para baixo a nós; glorifiquemo-Lo pelo Rei da glória, pelo Senhor dos exércitos. Porque Lhe aprazou até mesmo nas nações, recebendo os sacrifícios mais alegremente de nós do que de vós… Penso que, com estes argumentos, serei capaz de persuadir até aqueles que estão de pouca inteligência. Pois as palavras não foram compostas juntas por mim, nem adornadas por arte humana, mas foram cantadas por Davi, proclamadas como boa nova por Isaias, pregadas por Zacarias, escritas por Moisés. Reconheces elas, Trifão!? São guardadas em vossas escrituras, ou antes, não em vossas mas sim em nossas, pois nós as obedecemos, mas vós, quando ledes, não entendeis o seu sentido [itálicos adicionados] (Diálogo com Trifão, 29).

Assim, a Igreja ensinava historicamente que as Escrituras Judaicas não pertenciam aos judeus, mas sim chegaram a ser a propriedade da Igreja, e que as interpretações judaicas eram falsas, porque só a Cristandade oferece as interpretações corretas.

Irineu, outro teólogo do século segundo, também focalizou o relacionamento entre a Bíblia Hebraica e a Igreja Primitiva. No livro 4 de Adversus Haereses [Contra as Heresias], refuta o argumento, apresentado por Marcião e outros gnósticos, de que as Escrituras Hebraicas e o Novo Testamento estariam opostos um ao outro. A sua resposta à crítica de Marcião chegou a ser a base para a refutação patrística padrão da crítica interna e externa e consiste de tratar passagens difíceis como tipos e alegorias, reivindicando unidade dos Testamentos.

Essa visão não está sendo mais aceitável na Igreja Romano-Católica. Mesmo quando a JPSSCB usa os termos “Antigo Testamento” e “Novo Testamento”, enfatiza que a Igreja “não tem desejo de sugerir que as escrituras judaicas são antiquadas ou ultrapassadas. Ao contrário, tem sempre afirmado que o Antigo Testamento e o Novo Testamento são inseparáveis” (§19). Entender mal esses termos ilustra ignorância, a qual o documento visa a superar, dos laços profundos que ligam o Novo Testamento ao Antigo, ignorância essa que está baseada no preconceito de que os cristãos não têm nada em comum com os judeus” (§1), assim que o relacionamento entre os dois não está minado. Muitas vezes enfatiza a dependência do Novo Testamento do Antigo, usando regularmente a frase “o Novo Testamento, em continuidade com o Antigo” (p. ex. §32, §84 e alhures), concluindo que “sem o Antigo Testamento, o Novo Testamento seria um livro incompreensível, uma planta privada das suas raízes e destinada de secar e murchar”.

Como resultado, é impossível expressar o “mistério de Cristo sem referência às Escrituras Judaicas” (§7). A identidade humana de Jesus está determinada na base da ligação deste com o povo de Israel e com o Antigo Testamento, como ilustrado, por exemplo, pelo seu tomar parte na sinagoga e vida religiosa judaica. Significantemente, o documento exorta os cristãos a aprenderem sobra o Judaísmo e como este reteve a sua vitalidade, continuando a desenvolver por 2000 anos depois da morte de Jesus. No que se refere à interpretação judaica das Escrituras, exorta radicalmente o uso de comentários judaicos pelos cristãos (§22). Isso continua a tendência emergente na introdução, de que a Igreja tem identificado necessidade para os cristãos aprenderem sobre o Judaísmo como este desenvolveu nos tempos pós-bíblicos.

No entanto, a sua coragem em dar esse passo radical está um tanto minada pela falta de pôr isso em prática. A JPSSCB freqüentemente cita de textos encontrados em Qumran, os quais representam a comunidade dos Rolos do Mar Morto, a fim de retratar visões judaicas de corrente principal, contemporâneas a Jesus. No melhor das hipóteses, é questionável afirmar que “a expressões mais claras de como os contemporâneos de Jesus interpretavam as Escrituras são dadas nos Rolos do Mar Morto (§12). Tal opinião pode ter aparecido porque a Comissão Bíblica Pontifícia possui mais peritos sobre os Rolos do Mar Morto que sobre o Judaísmo Rabínico; mas a falta de referências ao Judaísmo (Rabínico) de linha principal indica fraqueza séria. A comunidade dos Rolos do Mar Morto nunca em tempo algum representava o Judaísmo da linha principal, e teria sido melhor reconhecer que representa uma tradição minoritária dentro do Judaísmo (mais estreita a João Batista que a Jesus). A exigência - repetida nesse documento e recomendada em documentos católicos anteriores - de que um bom entendimento do Judaísmo é, de acordo com as Guias de 1974, essencial para a formação da identidade cristã e de “um relacionamento reto com o Judaísmo”, parece incumprido.

Exemplo dessa referência exagerada com Qumran pode ser visto na explicação do documento do entendimento judaico da aliança e a sua ênfase na significância do líder da comunidade dos Rolos do Mar Morto, o Mestre de Retidão, antes das explicações rabínicas (§39). De fato, há somente uma única citação da literatura rabínica no inteiro documento (menção breve de Hillel (§79), a qual consiste referente a mais que 100 paginas de texto e referente a aproximadamente tantas páginas de notas de pé.

Na sua defesa, pode-se argüir que, porque os começos do Judaísmo Rabínico estão escondidos em mistério e os textos escritos mais primitivos são datados a partir do século segundo EC [Era Comum = dC = depois Cristo]- a Comissão Bíblica pontifícia poderia ter decidido contra fazer referência aos escritos rabínicos. No entanto, a força dessa tradição oral e da similitude entre muitos declarações de Jesus com as palavras dos rábis --a ‘Regra Áurea’ sendo exemplo famoso-- exigem que o documento exiba consciência da contribuição rabínica. Em outras palavras, a recomendação de tomar comentários judaicos a sério teria de ter sido implementada.

Falhando de fazer isso, a JPSSCB ignora inadvertidamente a ciência contemporânea, a qual está chegando crescentemente a ser consciente da interação entre intérpretes bíblicos judaicos e cristãos sobre os poucos primeiros séculos.

Essa fraqueza está sendo reforçada pelo modo em que o documento se atraca ao entendimento judaico da Toráh. Por muitas centenas de anos, os cristãos identificavam Toráh somente com ‘Lei’ (como resultado da tradução na LXX como nomos e na Vulgata como lex). O termo de ‘Lei’ falha para pintar o sentido pleno da palavra hebraica (cuja raiz significa ‘ensinar’) a qual inclui ‘Lei’ - mas muito mais ao lado. O documento discute o desenvolvimento e a observância da Toráh no Judaísmo e, embora o refira a escritos pós-bíblicos, limita-se a Baruc e Sirácida (Eclesiástico), falhando a mencionar o entendimento rabínico da Toráh (§43).

Um exemplo final merece ser mencionado - a omissão surpreendente do contexto rabínico na seção, a qual trata da oração no Novo Testamento. Numa discussão sobre o ‘Pai Nosso’, o documento simplesmente nota que as fórmulas “se assemelham à oração judaica … mas com sobriedade sem paralelo” (§49). Mesmo menção breve da oração de ‘Pai Nosso’ no seu contexto judaico se teria devido referir aos escritos rabínicos, já que se tem evidenciado que cada linha da oração de ‘Pai Nosso’ contém paralela na literatura rabínica. Esta oração mais judaica das orações é exemplo excelente de como é impossível de apreciar completamente passagens do Novo Testamento sem o seu próprio contexto judaico.

2. Assuntos Chave no Novo testamento e nas Escrituras Judaicas

A seção segunda examina assuntos chave, os quais ligam as escrituras judaicas e cristãs. Começa explicando que o relacionamento entre o Antigo Testamento e o Novo está baseado em reciprocidade - de um lado, o Novo Testamento tem de ser lido à luz do Antigo; de outro, o Antigo precisa ser lido à luz de Jesus Cristo. Essa aproximação causa dificuldade, porque pode ser demasiadamente dependente duma interpretação tipológica ou alegórica da Escritura. Nem Nostra Aetate nem as Guias explicaram assuntos associados com tipologia, e as Notas simplesmente puseram em foco a existência do problema. As Notas (1985) explicaram que a Igreja resolvera tradicionalmente o problema da relação entre o Antigo e o Novo Testamentos por meio de topologia, mas admitiu que isso causou desconforto , sendo sinal de problema não resolvido. As Notas advertiram que “devemos cuidadosamente evitar qualquer transição do Antigo ao Novo Testamento, a qual possa parecer meramente uma ruptura” (§12).

A JPSSCB ataca esse problema diretamente, sendo um desenvolvimento importante no ensino da Igreja Romano-Católica sobre a interpretação da Escritura. Reitera o ponto de que “o Novo Testamento não pode ser completamente compreendido senão à luz do Antigo Testamento” (§21), mas reconhece que elos entre o Antigo com o Novo foram abusados, podendo a Escritura ser ‘separada’ do seu contexto. Como resultado, “a interpretação chegou a ser arbitrária” (§20). O documento aponta aos perigos duma aproximação “fundamental” à Escritura, afirmando que “seria errado considerar as profecias do Antigo Testamento uma com espécie de antecipação fotográfica de eventos futuros” (§21), particularmente profecias messiânicas. A ênfase no cumprimento da profecia bíblica pode ser vista, não só nos escritos de alguns cristãos, mas também de fundamentalistas judaicos. Por exemplo, aquilo, que uma vez era visto uma como interpretação sobre a natureza da palavra e promissão bíblicas, tem para alguns na situação de Israel chegado a se concretizado num evento contemporâneo. A JPSSCB refuta essa aproximação à interpretação bíblica.

O documento sugere que um dos modos em que os católicos possam superar dependência malsã da interpretação tipológica é aumentar o seu conhecimento da literatura rabínica e das aproximações judaicas à Bíblia. Essa recomendação está baseada numa declaração surpreendente, a qual explora o valor de aproximações judaicas à Escritura:

Os cristãos podem e devem admitir que a leitura judaica da Bíblia é uma das possíveis, em continuidade com as Sagradas Escrituras Judaicas do Período do Segundo Templo [itálicos acrescidos], a leitura análoga à leitura cristã, a qual desenvolveu em forma paralela. Ambas as leituras estão ligadas às visões das suas respectivas fés das quais as leituras são o resultado e expressão. Conseqüentemente, ambas são irreduzíveis. No nível prático de exegese, os cristãos podem, no entanto, aprender muito da exegese judaica praticada por mais que dois mil anos e, de fato, aprenderam muito no curso da história. Para sua parte, é para esperar que os próprios judeus possam tirar vantagem da pesquisa exegética cristã (§22).

Essas palavras são tanto audaciosas como significantes. Aos católicos agora se diz que devam tomar em consideração interpretações rabínicas e contemporâneas do Antigo Testamento. Diz-se agora também a eles que o Antigo Testamento contém revelação divina não-relata à vinda de Cristo e da Cristandade. Isso era válido, não só para os hebreus no tempo quando foram escritos, mas ainda para o Judaísmo contemporâneo. Declarando que interpretação judaica da Escritura é possível - foi-me dito que ‘válido’ é um entendimento apropriado - a Comissão Bíblica Pontifícia está aplicando o comentário do papa muitas vezes repetido sobre a “aliança permanecendo com os judeus” à interpretação das Escrituras Judaicas. Se a aliança permanece com o povo judaico, ao longo dos cristãos, a interpretação daqueles da Escritura precisa, no mínimo, permanecer “possível”. Assim, o documento reconhece formalmente assuntos que o próprio Papa tem advogado faz muito tempo.

Naturalmente, o documento não nega a verdade da interpretação cristã da Escritura, mas permite espaço para a validade de interpretação judaica, a qual, sem consideração da falta de referências a tais interpretações judaicas mencionada acima, é um passo maior para frente na reconciliação cristã com o Judaísmo. Contribui, portanto, significativamente à criação de espaço teológico requerido par um encontro entre as fés genuíno.

Esta seção dedica também algum tempo aos assuntos estreitamente conexos de aliança e eleição, discutindo o lugar destas nas Escrituras tanto cristãs como judaicas. De todas as passagens do Novo Testamento consideradas, um das mais freqüentemente citadas é Romanos 9-11, a qual (não coincidentemente) tem também sido central para o ensino de João Paul II sobre o relacionamento judaico-cristão e a identidade do verus Israel (Israel verdadeiro).

Outra vez notamos o desenvolvimento significante na JPSSCB em comparação com declarações anteriores. Nostra Aetate apresentava a Igreja como o novo povo de Deus. As Guias evitaram a menção do supersessionismo, embora advertiram contra descrições estereotipadas do Antigo Testamento e do Judaísmo como religião de justiça, medo e legalismo em contraste ao Novo Testamento e à Cristandade como religião de compaixão, graça e amor.

Cf. Montefiore, The Synoptic Gospels Vol. 1 (Londres: Macmillan, 1910), pp, 326-7.

As Notas apresentam os judeus como “o povo de Deus da Antiga Aliança, a qual nunca foi revogada” (§I). O novo documento promove a discussão.

Começa reconhecendo a divergência de opinião sobre a identidade das “crianças de Deus” – são elas somente os cristãos (“crianças da promissão” – Rm 9,6-8) ou os cristãos ao logo dos judeus, porque “Deus não jogou fora o Seu povo” (Rm 11,2)? Já que “a raiz é santa” (Rm 11,16), Paulo está convencido de que, no fim, Deus, na Sua sabedoria inescrutável, enxertará todo o Israel de volta na sua própria oliveira Rm 11,24); “todo o Israel será salvo” (Rm 11,26).

À questão de se a eleição de Israel permanece válida, o documento explica que Paulo dá duas respostas diferentes: a primeira diz que os ramos [os judeus] foram cortados por causa da sua recusa de crer (Rm 11,17.20), mas um resto fica, escolhido por graça [os cristãos]” (Rm 11,5). A segunda resposta diz que os judeus, que chegaram a ser “inimigos a respeito do Evangelho” permanecem “amados a respeito da eleição, por causa dos ancestrais” (Rm 11,28), e Paulo prevê que vão obter graça (Rm 11,27.31). Os judeus não param de ser chamados para viver pela fé na intimidade de Deus “porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11,29; §36).

O documento conclui que “a Igreja … entende a sua própria existência como participação na eleição de Israel e numa vocação que pertence, em primeiro lugar, a Israel, apesar do fato de que só poucos israelitas a aceitaram (§36).” Essa passagem serve para prover o espaço teológico para o Judaísmo do dia presente como o temor posto em foco antes, mas como, podia-se perguntar, o documento trata daqueles textos do Novo Testamento que estão em oposição a esse ensino? Pensa-se na Epistola aos Hebreus em particular como exemplo dum livro do Novo Testamento que argúi pela substituição do antigo Israel (o Judaísmo) pelo novo Israel (a Cristandade). É interessante notar que a JPSSCB não ataca isso diretamente, mas sumariza a posição da Hebreus num breve parágrafo. Declara que o autor da Hebreus rejeita os sacrifícios do templo do Judaísmo do Segundo Templo, ensinando que “a aliança anunciada e prefigurada no Antigo Testamento é cumprida” (§42). Não elabora sobre aquilo que Hebreus entende por ‘cumprida’ (‘substituída’ é o que Hebreus realmente entende, o que, naturalmente, não permite espaço nenhum para o Judaísmo teologicamente). Contrastando, o documento aponta ao que os comentários de Paulo em Romanos 9-11 permitem espaço teológico para os judeus e o Judaísmo. A JPSSCB reduz a significância da Hebreus dando precedência a Paulo, declarando francamente que “longe de ser substituição de Israel, a Igreja está em solidariedade com ele” (§65).

Implica isso simplesmente uma visão de duas alianças de salvação, a qual teria o efeito de minar atividade missionária contemporânea referente aos judeus? Afasta-se dos esforços da Igreja mais primitiva de converter judeus? A declaração certamente levanta questões sobre o modo de como a Igreja entende os judeus e a salvação, demandando reflexão ulterior sobre a significância da universalidade da ação redentora de Cristo. Até que ponto a salvação dos judeus depende primariamente da sua própria aliança antes da obra universal de Cristo? Essa pergunta permanece sem resposta pelo momento, e será talvez posto em destaque por outro documento no futuro não distante demais. No entanto, a própria questão põe um desafio (ameaça?) aos Evangélicos fora da Igreja e aos conservativos dentro dela, os quais a criticam por abandonar o evangelismo, substituindo-o pelo diálogo, o qual, por seu ver, compromete a própria Cristandade. Deve ser notado que a posição deles está agora fora do ensino da Igreja Romano-Católica.

O resultado da discussão sobre aliança e eleição é que a Igreja agora ensina que os judeus, embora não reconheçam o plano salvífico de Deus no Novo Testamento, permanecem o povo de Deus. Isso faz parte do plano misterioso de Deus da salvação, cujo resultado final é a salvação de todo o Israel, “doutrina muito importante que os cristãos nunca devem esquecer” (§59).

O documento reconhece um status especial de “irmão mais velho” para o povo judaico, dando-lhe, por isso, um “lugar único entre todas as outras religiões (§36). No Fim do Tempo, porém, a Igreja espera que os judeus percebam a verdade da Cristandade. Tal expectação escatológica causa dificuldade para as relações judaicas-cristãs? Não, porque também o Judaísmo espera o eshaton para revelar a verdade da sua posição. Em outras palavras, os judeus têm as suas próprias expectações escatológicas. Ambas as comunidades estão convencidas de que possuam a última verdade.

Passagem notável que trata de expectações escatológicas declara que, “a expectação messiânica judaica não está em vão”. Assim, a Igreja Romano-Católica ensina agora que os judeus, ao longo dos cristãos, são encomendados para manter viva a expectação messiânica. A diferença é que, para os cristãos, “o Único que está para vir terá os traços de Jesus que já veio e está já presente e ativo entre nós” (§21). O que os cristãos crêem ter sido cumprido em Cristo “tem ainda de ser cumprido em nós e no mundo”.

Nostra Aetate não tocara no judaico ‘não’ a Jesus, enquanto as Guias exortaram os católicos a entenderem as dificuldades para a “alma judaica” com a sua “noção pura da transcendência divina quando enfrentada com o mistério da palavra encarnada” (Seção I). As Notas sugerem que o ‘não’ judaico era “signo a ser interpretado dentro do desígnio de Deus (§6), mas o novo documento desenvolve isso muito mais plenamente. Mostra que as escrituras judaicas, com as suas associadas interpretações judaicas, podem dar uma contribuição ao entendimento cristão das Escrituras, quando, previamente, teriam tido um ponto de diferença e argumento. O reconhecimento da legitimidade dum entendimento judaico de aguardar pelo Messíah é exemplo, porque o documento identifica as expectações judaicas da vinda do Messíah com a segunda vinda de Jesus. Ambos, os judeus e os cristãos, compartilham dessa antecipação. “Os cristão, como os judeus, vivem na expectação.”

3. O Retrato de Judeus e Judaísmo no Novo Testamento

A seção terceira e final da JPSSCB trata de atitudes do Novo Testamento aos judeus e consiste dum resumo detalhado sobre escritura judaica e cristã. Repete a condenação do Concílio Vaticano Segundo da visão de que o Novo Testamento apóia desdém e hostilidade aos judeus. Embora o Novo Testamento exiba aproximação aos judeus (a qual cresce em virulência para aqueles que se opõem ativamente aos cristãos), o documento nega que o Novo Testamento contém uma atitude de desdém.

Sentimento antijudaico real, isso é atitude de desdém, hostilidade e perseguição de judeus como judeus não está sendo encontrada em nenhum texto do Novo Testamento, sendo incompatível com o ensinamento deste” (§87).

O documento explica a polêmica pelo argumento de contextualização detalhada, apontando para que está influenciada pelo “contexto redacional” posterior, e para que semelhante à polêmica está encontrada nos escritos proféticos, bem como na literatura apocalíptica. Isso faz o seu vigor … menos surpreendente”. O documento explica que a polêmica no Novo Testamento era também resposta a:

a rejeição judaica de Jesus,
argumentos entre judeus e cristãos judaicos,
vexame de cristãos por judeus.

O mais importante é que o documento explica que a polêmica era “na maior parte, interna, entre dois grupos que ambos pertenciam à Jerusalém (§70). Embora essa frase esteja sendo mencionada quase só de passagem, parece-me que a polêmica direcionada a tais judeus que não aceitavam Jesus como messíah por aqueles que o aceitavam, provê a explicação mais óbvia pela sua existência no Novo Testamento. Se somente o fato de que o Novo Testamento relata argumentos (por vezes amargos, por vezes menos assim) entre grupos de judeus que eram mais amplamente conhecidos, as suas conseqüências não poderiam ter sido tão severas. O Novo Testamento não é um relato de argumentos entre os cristãos e os judeus! Esse ensinamento precisa ser amplamente ensinado na Igreja Romano-Católica (e também dentro da comunidade judaica - mas isso é outro papel).

Está sendo um tanto decepcionante notar que a JPSSCB falhou a explorar porque a Escritura Cristã tem sido usada para justificar perseguição de judeus. Porquê as conseqüências da polêmica do Novo Testamento aos judeus se demonstravam tão destrutivas? A contextualização da polêmica é instrumento valioso de pôr o problema em destaque, mas teria sido valioso também pôr em destaque porquê o problema existe no primeiro lugar. Porquê alguns cristãos (e outros) usavam o Novo Testamento como ferramenta para depreciar os judeus? Isso não leva de volta ao desafio posto pelo Cardeal Ratzinger, quando declara que as relações judaicas-cristãs precisam ser consideradas à luz do Holocausto. O documento menciona a Shoáh somente uma vez, quando declara que “o horror na esteira da exterminação dos judeus (da Shoáh) durante a Segunda Guerra Mundial levou todas as Igrejas a repensarem o seu relacionamento com o Judaísmo e, como resultado, considerarem a sua interpretação da Bíblia Judaica, o Antigo Testamento” (§22). Embora ninguém negue que o Nazismo era oposto à Cristandade, está sendo bem conhecido que Hitler muitas vezes justificou o seu anti-semitismo com referência à Igreja e a atitudes cristãs ao Judaísmo.

Veja o excelente sumário em R.L. Rubenstein & J.K. Roth, Approaches to Auschwitz (Londres: SCM 1987), pp. 199-228.

O documento falha a examinar em que escala há relacionamento entre a Shoáh (e a história do anti-semitismo cristão) e o Novo Testamento.

Não estou sugerindo que o Novo Testamento é anti-semítico - tal acusação é falsa - mas tem sido usado para justificar anti-semitismo e a Comissão Bíblica Pontifícia perdeu uma oportunidade de pôr em destaque as razões para esse abuso da Escritura. Um estudo do relacionamento entre judeus, cristãos e a Bíblia (pois isso é verdade tanto do Antigo Testamento bem como do Novo) deve considerar porquê foi interpretada para promover ódio, discriminação ou superioridade de um grupo sobre o outro. Tem sido, de modo geral, demasiadamente comum encontrar um texto bíblico usado para o fim de subjugar mulheres a homens, pretos a brancos, judeus a cristãos. O documento se teria beneficiado do reconhecer que o ‘ensino de desdém’ tradicional favoreceu abuso das Sagradas Escrituras.

Apontaria ao que isso é problema compartilhado por tanto judeus como cristãos, pois há textos do Antigo Testamento que são igualmente problemáticos, p. ex. Salmo 137,5.

Tivesse o documento considerado esse tópico, teria certamente ajudado apontando para que as próprias Escrituras provêem o princípio hermenêutico (compartilhado tanto pelos cristãos como pelos judeus) para superar tal interpretação errônea: a humanidade deve viver pelos mandamentos, e não morrer pela observância destes. Isso significa que, à luz do Holocausto, textos bíblicos precisam ser examinados à luz de dano potencial que possam causar (ou do dano real que causaram). É pena que a JPSSCB perdeu essa oportunidade.

O documento, obviamente, põe em destaque textos difíceis no Novo Testamento, os quais anota como sendo provocados num tempo de conflito. Explica que a situação mudou radicalmente desde então, e que a polêmica não tem relevância para as relações judaicas-cristãs contemporâneas. “Os textos polêmicos do Novo Testamento, até aqueles expressados em termos gerais, têm a ver com os contextos históricos concretos, sendo nunca intencionados a serem aplicados aos judeus de todos os tempos e lugares, meramente porque são judeus.”

Entre as passagens incômodas postas em destaque se incluem as Narrativas de Paixão, alguns dos textos mais difíceis no Novo Testamento, porque exageram a responsabilidade judaica pela morte de Jesus, reduzindo a responsabilidade romana. Conseqüentemente, têm sido extremamente nocivos nas relações judaicas-cristãs. O documento atrapalha nesse ponto, porque reivindica que a liderança do povo judaico era intencionada no matar Jesus e no destruir a Cristandade, enquanto está mais provável que o governo romano e Pôncio Pilatos eram particularmente opressivos, não a liderança farisaica. O documento até teria podido apontar que, nas Narrativas de Paixão, o único grupo judaico que desaparece dos relatos é o dos fariseus. Esse fato, me parece, é altamente significante, não só para o relato bíblico, mas também para as relações judaicas-cristãs modernas, já que os fariseus eram os precursores do Judaísmo Rabínico.

Conclusão

Em total, a JPSSCB dá contribuição importante ao nosso entendimento das Sagradas Escrituras e das relações judaicas-cristãs. Contribui também a um entendimento melhorado do Judaísmo entre os cristãos. É que o documento, obviamente, tem várias fraquezas, notavelmente a falta de consciência do débito que o Novo Testamento deve ao Judaísmo Rabínico, uma superênfase dos Rolos do Mar Morto e relutância para explicar porque textos bíblicos estão abertos para abusar.

No entanto, as suas forças excedem muito essas fraquezas, e ele está para ser recomendado. Aqueles de nós que foram tocados pelo anjo do dialogo entre as fés, e que estão atualmente engajados no encontro judaico-cristão, devem tomar ânimo. Mais notável é a chamada corajosa para o uso de comentários judaicos pelos cristãos, já que a interpretação judaica da Escritura é legítima, e a declaração desafiadora de que a expectação messiânica judaica não está em vão.

O documento prepara o solo para documentos futuros, os quais provavelmente considerarão assuntos teológicos, possivelmente tais que considerem salvação. A JPSSCB sucede avançando o diálogo entre cristãos e judeus, sendo mais um passo em direção a curar o mundo (tikún olám). Esclarece muitos escombros e, para adaptar o imaginário de Is 29,17: arai a terra e plantai as sementes, assim que no futuro um campo de frutos se possa desenvolver. Esse campo futuro vai gerar espaço teológico para os judeus e para os cristãos, o que é essencial para o encontro de hoje.

Apropriadamente, o documento conclui com citação dum sermão papal feito em 1997. Isso ilustra a perspectiva pessoal de João Paulo II, a qual é central para a mensagem da JPSSCB. Provê também a base para o diálogo futuro com os judeus e o Judaísmo:

Este povo foi chamado e guiado por Deus, criador do céu e da terra. A sua existência não é acontecimento meramente natural ou cultural . . . É sobrenatural. Esse povo continue apesar de qualquer coisa sendo o povo da aliança e, apesar de infidelidade humana, o Senhor é fiel à Sua aliança.

Texto inglês. Tradução: Pedro von Werden SJ

 


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