
Qumran e Supersessionismo - E a Estrada Não TomadaPor Krister StendahlO assunto que me foi especificado – Qumran e supersessionismo – faz-me refletir, não tanto sobre o material de Qumran como tal, mas sim sobre como minha exposição aos Rolos da Caverna Um, no seminário de Dupont-Sommer em l’École Pratique des Hautes Études em Paris na primavera de 1951, pôs-me numa pesquisa para toda a vida para um modo melhor de entender a interação judaica/cristã e a falta desta interação. A partir do começo e através da história e atualmente, essa interação está realmente marcada e frustrada por supersessionismo e pelos mecanismos de substituição deste. O Problema do Supersessionismo: Qumran e a CristandadeOs textos de Qumran e aquilo de que falam podem apontar à análise que se precise na procura por caminhos melhores. Pois naqueles textos podemos ver com grande clareza que a força motora atrás do supersessionismo é a reivindicação da verdadeira, autêntica e unicamente legítima continuidade da herdada história. Em Qumran vimos essa reivindicação intensificada com escatologia de alta voltagem com todos os hábitos de demonizar o Outro que vem com o território [the Other that comes with the territory], e os elevados estados de pureza adicionam peso à reivindicação apoiada por divinamente autorizada (re)interpretação, (re)avaliação e (re)ajustamento daquela tradição da qual se reclama ser o herdeiro legítimo. A reivindicação de continuidade exclusiva é a própria espinha do supersessionismo.1 A evidência para a análoga reivindicação cristã à verdadeira, exclusiva, autêntica e legítima continuidade é certamente a própria Bíblia Cristã com seu Antigo e Novo Testamentos. Como James Sanders já o tem apontando tão bem, o fato de que a Bíblia da Igreja absorveu as Escrituras dos Judeus não deve ser considerado como um ato duma positiva evolução do Judaísmo, mas sim como a expressão do supersessionismo cristão. O modo como a maioria dos cientistas cristãos distinguem entre os dois Testamentos, é um fenômeno pós-Iluminismo. Possui também dimensões acadêmico-sociológicas. Cientistas do Antigo e Novo Testamentos mantém corporações diferentes. Até na Sociedade de Literatura Bíblica (Society of Biblical Literature) raramente participam em sessões do outro setor. Para objetivos científicos, a Bíblia da Igreja Cristã não está mais um todo unificado. Esse relativamente novo desenvolvimento – afinal, até Julius Wellhausen o achou de incumbência sua escrever significantes comentários sobre os Evangelhos – intensificou-se com o bem-intencionado termo de "Bíblia Hebraica", que inadvertidamente alimenta para uma nova forma de marcionismo – dando póstuma vitória a Adolf von Harnack. Enquanto afirma a integridade do Tanak, sugere que Cristandade é equivalente ao Novo Testamento. Mas a Bíblia Cristã tem dois Testamentos, um velho e um novo, por esta mesma estrutura fazendo a sua reivindicação de continuidade e daí legitimidade, isto é que é símbolo exposto do supersessionismo cristão. Nos estudos de Qumran, a gente encontra extensivas discussões sobre a posição de material sectário. Muito deste colocaria como igual aos primeiros textos cristãos que chegaram a ser o Novo Testamento. Pois esses textos são o próprio material em que e pelo que as duas comunidades fazem as suas respetivas reivindicações para continuidade autêntica. No caso cristão, os "documentos sectários", também conhecidos como o Novo Testamento, mostram tanto a alegria como a tensão dum notável desenvolvimento, um que não podia ser antecipado, e que não o fez fácil reivindicar continuidade. Tome, por exemplo, o galileu, auto-evidentemente judaico movimento de Jesus, que em tempo surpreendentemente curto tornou a ser o que para todos os efeitos práticos deve ser considerado um como movimento predominantemente gentílico. Em todo o caso, o último é a "Cristandade" que produziu o Novo Testamento, e para este reivindica legítima continuidade. A "troca" está mais estilizado no Evangelho de Mateus, onde Jesus proíbe os seus discípulos irem além dos confins de Israel – mas as últimas palavras do Evangelho enviem os apóstolos para fora a "todos os gentios". Nesta perspectiva, "a separação dos caminhos" é talvez melhor entendido em termos "demográficos" do que diretamente em específicas questões de doutrina ou, ainda, de prática. Já uns vinte-e-cinco anos depois do ministério de Jesus, Paulo está embaraçado pelo fenômeno de que só um pequeno "resto" de judeus se tinham juntado ao movimento, enquanto os gentílicos pareciam estar na maioria. E já nos escritos de Paulo – o que diz nos mais antigos que temos – Cristo ("Messíah") é nome, não título messiânico, e a confissão não é "Jesus é o Cristo", mas sim "Jesus é Senhor" 2 e "Filho de Deus". Por "bendita ambigüidade" o modo da Setenta (LXX) de usar kyrios por Yahveh permitia para a "alta cristologia" que palavras da Escritura sobre Deus fossem aplicadas a Jesus sempre que considerado apropriado. Para mim, tudo isso aponta aos modos nos quais a "Cristandade" do Novo Testamento é um fenômeno primariamente gentílico, com os seus escritos todos sendo originais gregos. A transição/transmutação deve ter dado pressão na reivindicação de continuidade, pressão esta que pode ter sido pretendida para dar intensidade à reivindicação. Deve ter alegrado o coração de Paulo, quando veio a pensar em como, no livro de Gênesis, a fé de Abraão "lhe foi contada como retidão" – e que, quando Abraão era ainda gentílico, a circuncisão não aconteceu senão "dois capítulos" depois.3 Como de costume, Paulo cita a LXX com a tradução comum desta: dikaiosyne por tsedaqóh (Gn 15,6). ... Tradição judaica: "E porque pôs sua confiança no Senhor, Ele lho contou para seu mérito." Que achado exegético/teológico! Introduziu-o escrevendo: "Fazemos então a Toráh obsoleta por nosso entendimento da fé de gentílicos? Deus impeça! Reivindicamos ser fieis à Toráh (isto é ao Pentateuco), veja Gn 15..." (Rm 3,31). A lógica desse pensamento poderia realmente ter aberto um futuro em que a Cristandade pudesse ter tanto visto a si mesma e como sido vista por Israel e as Nações como "Judaísmo para Gentílicos". Mas isso era um caminho não tomado. Num modelo tal, o supersessionismo teria sido superado por uma benevolente tipologia: Há uma forma familiar para os caminhos de Deus com o mundo, os sempre repetidas tentativas na emenda do que estava quebrado, sempre restaurando a imago Dei (imagem de Deus) na qual a humanidade fora criada. Tal benevolente tipologia regozijar-se-ia e se maravilharia na forma análoga de Pessah e Páscoa, de Aqedáh e Gólgota, de Sinai e o Sermão da Montanha. Mas o impulso supersessionista forçou a interpretação tipológica para padrões adversários, onde o mais novo tinha de triunfar sobre o mais velho e o superar. No seu estudo The Death and Resurrection of the Beloved Son: The Transformation of Child Sacrifice in Judaism and Cristianity (A Morte e a Ressurreição do Filho Amado: A Transformação do Sacrifício de Criança no Judaísmo e na Cristandade)4, John D. Levenson levou a discussão de supersessionismo a um nível provocativamente mais profundo. Vê Judaísmo e Cristandade "como dois midráshicos sistemas que competem para a sua bíblica legalidade comum". Essa competição "torna a pôr em vigor a rivalidade entre irmãos no núcleo do conto do antigo Israel nas suas próprias torturadas origens.5 Numa perspectiva tal, a tensão pela qual o judaico movimento chegou a ser a Igreja Gentílica parece menos estranha. Mas é no parágrafo final do seu prefácio, que Levenson aprofunda a agenda mais valentemente para as relações entre Judaísmo e Cristandade. Radicalmente transformado mas nunca extirpado, o sacrifício do filho primogênito constitui um estranho e, de costume, omitido elo entre Judaísmo e Cristandade, e assim o maior, mas inexplorado, foco para o diálogo judaico/cristão. No passado, esse diálogo freqüentemente demais centrava-se na judaicidade de Jesus e, especialmente, seus putativos papeis de profeta e sábio. Em ponto de fato, porém, aqueles papeis, mesmo se reais, eram na história vastamente menos importante na tradição cristã do que a identidade de Jesus como vítima sacrificial, o filho dado à morte pelo seu pai amante, ou o cordeiro que leva embora os pecados do mundo. Esta identidade, ostensivamente tão alheia ao Judaísmo, era mesmo construída de reflexão judaica sobre o amado filho da Bíblia Hebraica, reflexão esta que longamente sobreviveu o surgimento da Cristandade e persistiu para dentro da era pós-Holocausto. O laço entre Judiaria e a Igreja que o filho amado constitui é, porém, enormemente problemático. Pois a muito tempo existente reivindicação da Igreja de que esta substitui (supersedes) os judeus, continua em larga escala o antigo padrão narrativo em que o filho posteriormente nascido desaloja seus anteriormente nascidos irmãos, com grau variante de sucesso. Em nenhuma parte a Cristandade trai a sua obrigação ao Judaísmo mais do que no seu supersessionismo.6 Assim, o quê há mais? Há Abel sobre Caim, Isaac sobre Ismael, Jacó sobre Esau, José sobre seus irmãos mais velhos, Israel sobre Canaã – e o padrão continua, não só Igreja sobre Sinagoga, mas Islã sobre tanto Judaísmo como Cristianismo, Protestantes sobre Católicos na Reforma. Em nenhum dos casos, complementaridade ou coexistência são opção escolhida, há sempre a reivindicação de legitimidade exclusiva. Um dos significativos eventos da nossa celebração do Jubileu de Qumran será levantar passagens dos escritos daquela comunidade, usando-as para eterna memória e até oração. A beleza e o espiritual discernimento nessas seleções e em muitas outras encontradas naquelas cavernas é temeroso. O meu coração luterano se acalora realmente, quando faço minhas estas palavras: No que se refere a mim, Temeroso (awesome) de fato é tal hino, cheio de beleza espiritual. Mas é muito antes horrível (awful) do que temeroso, quando a escatologia de Qumran escala para dentro de apocalíptico ódio do Outro, num "(per)manente ódio num espírito de discrição para os homens de perdição" (1QS 9.21-22).8 ... A combinação de (segredo) ódio e não-retaliação aqui e no hino 1QS 10 tem seu paralelo no Novo Testamento na famosa passagem de Paulo sobre não-retaliação como "acumulando brasas na cabeça do seu inimigo" (Rm 12,20). ... Tais sentimentos nos fazem lembrar que somos herdeiros de tradições que têm – parece – na sua própria estrutura a negação, senão a demonização, do Outro. Assim, a séria questão teológica será: O quê fazer? Como contrabalançar os indesejáveis efeitos do instinto supersessionista. "Indesejável" é, realmente, um pálido eufemismo, quando consideramos o custo em humilhações, sofrimentos e vidas por toda a história. Mas há ironia aqui nos modos em que o supersessionismo funciona quando estava completo e quando a realidade do povo judaico não fazia parte da consciente consciência na piedade cristã. Posso atestar isso da minha própria experiência e daquela da vasta maioria dos cristãos naquele mundo em que cresci. Um muito querido hino para a Semana Santa pode ilustrar o que tenho em mente. Foi escrito por Johann Hermann (cerca 1630) e representa a espiritualidade que forma uma ponte entre as espiritualidades medieval e pietista: Ai, santo Jesus, como tens ofendido, "Fui eu, Senhor Jesus, ... eu te crucifiquei." Isso é como me lembro da minha posição e ânimo na Sexta Feira Santa. E as obsedantes perguntas no refrão dos Opróbrios: "Oh, meu povo, o quê te fiz? Ou em quê te afligi? Responde-me!" – aquelas perguntas foram ouvidas também como castigando nossos pecados, feitos mais tristes em contraste aos generosos atos de Deus – justamente como tais palavras fazem quando primeiro ocorrem no livro do profeta Miquéias.9 Os Opróbrios e seus precursores, tendo sua origem do Sermão sobre a Paixão de Melito de Sardes (século segundo), moldados segundo Miquéias 6,3s.: "Meu povo, que te fiz? Em que te cansei? Responde-me! Sim, fiz-te subir da terra do Egito ..." Por gerações é isso como cristãos leram sua Bíblia. Gerações foram ensinados a aplicarem a regra: tua res agitur - "é o teu caso que está sendo tratado". Leram as palavras do seu Antigo Testamento como dirigidas a eles mesmos, seja como ser humano em geral ou seja como cristãos em particular. Especialmente nos seus hinos e liturgias falaram de si mesmos como Tsiyôn, como Jerusalém, como filhos (e filhas) de Abraão, Isaac e Jacó, como Israel. Fizeram isso sem sentir a necessidade de suprir "o Novo" ante aquelas gloriosas auto-designações. Ainda deve ser notado que há diferença quando esse inconsciente movimento de hermenêutica aplicar-se a textos do Novo Testamento. Pois aqui a designação "judeus" está engatada na construção "judeu = pecador = eu como pecador", incluindo o pecado de auto-retidão. A palavra "judeu" tem um teor negativo no Novo Testamento. Assim é surpreendente que, quando uma conotação positiva for pretendida, como nas famosas palavras sobre Natanael, então diz: "Veja, aí está um verdadeiro Israelita em quem não há malícia" (Jo 1,47). Isso está também consistente com os modos nos quais a identificação da Igreja com Israel no seu jeito de ler o Antigo Testamento oscila entre o padrão de promessa/cumprimento e um mais consumado supersessionismo, onde os textos estão sendo diretamente como sobre "a igreja" ou "nós" ou "eu". Muitas vezes o mesmo texto pode funcionar nos dois modos simultaneamente. A ironia com esse tipo de supersessionismo é, naturalmente, o fato de que está quimicamente livre de qualquer antijudaísmo consciente, mas isso está "alcançado" por fazer os judeus e a comunidade judaica invisível, como se não existissem. Há uma obliteração mental. Para usar um termo anacrônico e carregado de peso: tais variantes lições cristãs da Bíblia são judenrein (da terminologia nazista: ‘limpas de judeus’). Aqui está o supersessionismo definitivo. Contudo, este é mais duro a ser desmascarado, depois que a subjetiva experiência dos seus profissionais – e fui educado para ser um destes e tenho de ainda admitir a força espiritual e beleza daquela prática10 – é uma que transcende o próprio antijudaísmo do qual essa espiritualidade é a suprema expressão. Enquanto me referi a minhas próprias experiências do meu crescimento na Suécia, meu trabalho durante os anos com cristãos da Ásia e África me ensinou que a hermenêutica, que estou descrevendo aqui, parece ser natural mesmo onde não há presença judaica significante. O estabelecimento do Estado de Israel está mudando tudo isso, dando ao povo judaico uma presença na cena global, tornando a invisibilidade judaica obsoleta também na hermenêutica. Aqui há, de fato, ironia, ou para usar palavras de Jon Levenson, aqui há mais uma "enormemente problemática" faceta de supersessionismo. Assim ponho mais uma ironia lado a lado com a ironia que Levenson pondera quando fala de supersessionismo como um vínculo comum. É um vinculador enormemente problemático. Um Caminho Não TomadoPenso de mim mesmo como escrevendo um ensaio no sentido original desta palavra, uma tentativa, justamente tentando perguntar se há entendimentos em nossas tradições que apontem a caminhos (ainda) não tomados. Um entendimento tal vem do auto-entendimento de Israel, sem dúvida intensificado por 2000 anos de diáspora. Israel conhece a si mesmo como sendo "uma luz às Nações", ao Outro, entende-se como sendo um povo particular, fiel à sua aliança. Os judeus nunca pensavam que o sonho mais quente de Deus era que todos os povos chegassem a ser judeus. Creio mesmo que tal particularidade fiel é a chave para religiosa existência num mundo irredutivelmente plural, mas desde o Iluminismo, tal particularismo, e não por último o particularismo judaico, foi muito difamado por ser paroquial, tribal e coisa pior, enquanto a Cristandade procurava glória reivindicando o universalismo do Novo Testamento superior ao particularismo do Antigo Testamento. O Iluminismo amava o universal e amava o individual, mas tinha pouca paciência com qualquer coisa entre os dois. Daí o famoso dito francês: "Ao judeu como indivíduo qualquer coisa – aos judeus como povo: nada." No mundo plural, não por último num mundo religiosamente plural, o instinto universalista deve chegar para reavaliação. Entender a si mesmo como sendo – no melhor – uma luz ao mundo, deixando o universalismo com Deus em cujos olhos somos todos nós minorias, é a humildade que cabe a todos que têm sido tocados por Deus. Para crer a história de Mateus, Jesus participava dessa perspectiva. "Sois o sal da terra" – mas quem deseja que toda a terra chegue a ser uma mina de sal? "Sois a luz o mundo ..." Tudo é linguagem notável de minoria. Em Maimônides a mesma perspectiva engendra a visão de Cristandade e Islame como portadores da Toráh ao mundo gentílico, e o venerável cientista do Judaísmo Rabínico escreve: Nas suas relações com outras nações, a maioria dos sábios teriam ficado satisfeitos com a declaração de Mikóh (Miquéias 4,5): ‘Pois todos os povos andam cada um em nome do seu Deus, e nós andamos no nome do Senhor nosso Deus para sempre e sempre.’" Quando os Sábios do Judaísmo Rabínico intensificaram a ênfase no ser fiel na aliança da Toráh e de fato refutaram especulação apocalíptica e até escatológica – o mesmo traço que Qumran e Cristandade tinham mais em comum – esse particularismo era afirmado e provado por 2000 anos de vida em diáspora.11 ... Noto com interesse que Urbach traduz o texto de Miquéias "e nós andamos", e não "mas nós andamos". Mas quando a Cristandade – e menos diretamente o Islame – tornaram-se herdeiros da tradição bíblica e conjugaram seus reivindicações supersessionistas com asserções universais, a estrada estava aberta para um conjunto mental que levou às cruzadas e jihad, pogroms e coisas piores. Em climas mais amenos, o mesmo universalismo dificulta para cristãos e moslins compreenderem que cristianização, ou islamização, do mundo não possa ser o último fim de Deus. É comovente lembrar que está nos escritos de Paulo, o Apóstolo – o missionário aos gentios - que se encontra uma não esperada abertura, uma porta entreaberta a um caminho não tomado. Pelo fim do seu ministério no Leste, reflete sobre como o sucesso da sua missão aos gentios fez com que os seus convertidos se sentissem superiores aos judeus – a Israel, como diz, conscientemente usando a nomenclatura mais religiosa. Isso o faz preocupado e ele conjura várias metáforas para contrabalançar tal ultraje cristão. Então lhes conta um "mistério, para que não sejais vaidosos", e o mistério é que a salvação de Israel está certa e daí nenhum dos negócios deles. "Oh profundeza das riquezas e sapiência de Deus!" (Rm 11,11-36). Como Paulo o via, tinha um pressentimento de toda a trágica história do supersessionismo cristão. Ele, que definitivamente não tinha vergonha do Evangelho, via aquilo que pudesse andar mal com este. Talvez porque uma vez tivera sido queimado – era por zelo religioso que perseguira os seguidores de Jesus, e não quis que isso acontecesse outra vez – agora inversamente. É que aqui haja um caminho não tomado? Sim, penso que há. Pois talvez não haja necessidade para judeus e cristãos legitimarem-se uns aos outros, nem para deslegitimarem-se uns aos outros. Muito na ciência, judaica e cristã, durante os últimos cinqüenta anos, como esta foi vitalizada pelos Rolos, acentuou o ser judeu de Jesus e não precisamos afirmar mais uma vez e mais uma vez que "Cristandade" é uma construção que ainda não fora formada – especialmente nos tempos do Novo Testamento12 – e que o movimento de Jesus existia uma vez como um "caminho" judaico na Palestina e na Diáspora. Mas com o problema de supersessionismo diante dos nossos olhos, enfatizando a Judaicidade da Cristandade, o problema com o supersessionismo cristão está inadvertidamente intensificado. A tensão intra-judaica intensifica a procura para legitimar sua genuína continuidade. Daí será preciso dizer algo sobre a necessidade de desenredamento dos dois. Para quebrar a espinha e o encanto do supersessionismo, devemos cuidadosamente pensar que aquele hábito de reivindicar continuidade não deve ser juntado com percepção de que coisas novas vão mesmo emergir, pensando sim em desenvolvimentos que não peçam por legitimar ou deslegitimar o Outro. O caminho tomado, o caminho de supersessionismo, tem provado ser um fim morto, até um caminho à morte. O caminho não tomado, mas ao qual alguns sinais dentro de nossas tradições apontam, merece nossa séria consideração. Notas:
Tradução do inglês: Pedro von Werden SJ ![]() |